(Bertold Brecht)
Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentis com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adoptariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não morressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.
Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a goela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.
Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros. As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.
Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas goelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as goelas dos tubarões. A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as goelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.
Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Repensando o bolchevismo e o estalinismo
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=1641004&tid=11248809&na=4&nst=1&nid=1641004-11248809-67094242
(trechos de um diálogo no Orkut)
Repensando o bolchevismo e o estalinismo
Começo com a pergunta: como o bolchevismo e o estalinismo puderam hegemonizar a consciência da esquerda durante tanto tempo? Como pode haver estalinistas ainda hoje?
Uma das coisas que mais me impressiona naquela comunidade Marx-Brasil é o número de militantes estalinistas e adeptos do leninismo.
Será que eles são mais do que meia torcida da Portuguesa e lotam 2 kombis?Ou ainda têm alguma força no submundo do militantismo esquerdista ?
"E os trotskistas, se por um lado lêem mais e tem um discurso mais próximo do leninismo e mais ortodoxo (eles tem muito mais argumentação e conhecimento de causa que os estalinistas), por outro são tão cegos e fanáticos, e tem aquele discursinho que não vira o disco há 80 anos. O Conlute, como alternativa de movimento estudantil, sendo controlado pelo PSTU, nada mais é que outra UNE em potencial, talvez um pouco mais crítica.
Em suma, um trotskista é um estalinista de oposição, é um estalinista que não chegou ao poder e por isso o critica. O trotskista é um estalinista, pois no fundo, tem as mesmas concepções e usam os mesmos métodos centralistas e expurgos. Não passam de sacerdotes fanáticos do trabalho e da mercadoria."
Concordo plenamente. Para melhorar a tua fórmula, digamos que o trotskysmo é um estalinismo potencial, que ainda não realizou seu conceito - por puro acaso histórico, pois a teoria afirmativa dos exércitos do trabalho está em Trotsky no Comunismo e Terrorismo.
A base de tudo isso é o bolchevismo, o centralismo democrático, que funciona da seguinte maneira: democracia interna limitada às assembléias, centralismo e terror pra fora. E esses analfabetos teóricos ainda se denominam "vanguarda", o que é pior.
"Mas a questão é: essa onda estalinista, após uma soneca razoável: ela representa algo relevante de fato para analisarmos tanto a predominância do leninismo no movimento operário ao longo de todo esse tempo quanto o declínio atual da esquerda tradicional?"
Acho que é fundamental ter claro essa origem nefasta da esquerda brasileira, e até onde ela deita raízes. Não sabia que o estalinismo era tão forte ainda, foi um susto, pensei que o PC do B tinha se liqüefeito após 89. E o pior: ele se reproduz entre estudantes, gente em tese mais esclarecida.
Enfim, esse diagnóstico é importante também para entender o declínio da esquerda brasileira. Já que o estalinismo ruiu junto com Krushev etc. e com o socialismo real em 89, então dá pra entender como a esquerda foi indo para o campo da social-democracia e do liberalismo, descartando ou enterrando a atuação "democrática radical" do tipo luxemburguista ou conselhista.
Aliás, deixo uma pergunta: esta última nunca deitou entre nós como possibilidade ? Nem entre os anarquistas ?
ALGUNS TÓPICOS DE DISCUSSÃO
Pablo,
concordo contigo. Temos de estudar mais a fundo as formas já existentes de autogestão, daqui ou lá de fora, para analisar as falhas e as possibilidades de multiplicação de experiência.
Creio que o descontentamento com o mercado e com o Estado é latente no povo brasileiro. O brasileiro típico odeia política e burocracia, quer resolver as coisas diretamente, embora na maioria das vezes apelando pro "jeitinho brasileiro", isto é, para privilégios clientelistas.
O debate então se dá em várias frentes:
1) Uma crítica mordaz do modo de vida capitalista em crise, inclusive das classes médias, que são o guardião econômico e simbólico do sistema.
2) Uma crítica à experiência bolchevista de esquerda
3) Uma retomada crítica da experiência anarquista e conselhista de organização no Brasil e no mundo.
4) Análise concreta dos movimentos sociais autogestionários, as falhas (a integração/desintegração no mercado capitalista) e as possibilidades (ruptura da divisão do trabalho etc.).
etc. etc.
(trechos de um diálogo no Orkut)
Repensando o bolchevismo e o estalinismo
Começo com a pergunta: como o bolchevismo e o estalinismo puderam hegemonizar a consciência da esquerda durante tanto tempo? Como pode haver estalinistas ainda hoje?
Uma das coisas que mais me impressiona naquela comunidade Marx-Brasil é o número de militantes estalinistas e adeptos do leninismo.
Será que eles são mais do que meia torcida da Portuguesa e lotam 2 kombis?Ou ainda têm alguma força no submundo do militantismo esquerdista ?
"E os trotskistas, se por um lado lêem mais e tem um discurso mais próximo do leninismo e mais ortodoxo (eles tem muito mais argumentação e conhecimento de causa que os estalinistas), por outro são tão cegos e fanáticos, e tem aquele discursinho que não vira o disco há 80 anos. O Conlute, como alternativa de movimento estudantil, sendo controlado pelo PSTU, nada mais é que outra UNE em potencial, talvez um pouco mais crítica.
Em suma, um trotskista é um estalinista de oposição, é um estalinista que não chegou ao poder e por isso o critica. O trotskista é um estalinista, pois no fundo, tem as mesmas concepções e usam os mesmos métodos centralistas e expurgos. Não passam de sacerdotes fanáticos do trabalho e da mercadoria."
Concordo plenamente. Para melhorar a tua fórmula, digamos que o trotskysmo é um estalinismo potencial, que ainda não realizou seu conceito - por puro acaso histórico, pois a teoria afirmativa dos exércitos do trabalho está em Trotsky no Comunismo e Terrorismo.
A base de tudo isso é o bolchevismo, o centralismo democrático, que funciona da seguinte maneira: democracia interna limitada às assembléias, centralismo e terror pra fora. E esses analfabetos teóricos ainda se denominam "vanguarda", o que é pior.
"Mas a questão é: essa onda estalinista, após uma soneca razoável: ela representa algo relevante de fato para analisarmos tanto a predominância do leninismo no movimento operário ao longo de todo esse tempo quanto o declínio atual da esquerda tradicional?"
Acho que é fundamental ter claro essa origem nefasta da esquerda brasileira, e até onde ela deita raízes. Não sabia que o estalinismo era tão forte ainda, foi um susto, pensei que o PC do B tinha se liqüefeito após 89. E o pior: ele se reproduz entre estudantes, gente em tese mais esclarecida.
Enfim, esse diagnóstico é importante também para entender o declínio da esquerda brasileira. Já que o estalinismo ruiu junto com Krushev etc. e com o socialismo real em 89, então dá pra entender como a esquerda foi indo para o campo da social-democracia e do liberalismo, descartando ou enterrando a atuação "democrática radical" do tipo luxemburguista ou conselhista.
Aliás, deixo uma pergunta: esta última nunca deitou entre nós como possibilidade ? Nem entre os anarquistas ?
ALGUNS TÓPICOS DE DISCUSSÃO
Pablo,
concordo contigo. Temos de estudar mais a fundo as formas já existentes de autogestão, daqui ou lá de fora, para analisar as falhas e as possibilidades de multiplicação de experiência.
Creio que o descontentamento com o mercado e com o Estado é latente no povo brasileiro. O brasileiro típico odeia política e burocracia, quer resolver as coisas diretamente, embora na maioria das vezes apelando pro "jeitinho brasileiro", isto é, para privilégios clientelistas.
O debate então se dá em várias frentes:
1) Uma crítica mordaz do modo de vida capitalista em crise, inclusive das classes médias, que são o guardião econômico e simbólico do sistema.
2) Uma crítica à experiência bolchevista de esquerda
3) Uma retomada crítica da experiência anarquista e conselhista de organização no Brasil e no mundo.
4) Análise concreta dos movimentos sociais autogestionários, as falhas (a integração/desintegração no mercado capitalista) e as possibilidades (ruptura da divisão do trabalho etc.).
etc. etc.
VI COLÓQUIO MARX E ENGELS (CEMARX)
VI COLÓQUIO MARX E ENGELS (CEMARX)
Eventos O Centro de Estudos Marxistas (Cemarx), do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), iniciou a chamada de trabalhos para o VI COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS. A inscrição de trabalhos estará aberta entre 2 de março e 15 de junho de 2009.
INFORMAÇÕES GERAIS
O Colóquio Internacional Marx e Engels acolhe, fundamentalmente, dois tipos de comunicações: as que tomem a teoria marxista como objeto de pesquisa, seja para analisar essa teoria, criticá-la ou desenvolvê-la, e as que utilizem o aparato conceitual do marxismo em pesquisas empíricas ou teóricas que se enquadrem nos Grupos Temáticos desse evento.
Os pesquisadores interessados em inscrever seus trabalhos deverão indicar em qual Grupo Temático eles se inserem. Eventualmente, a Comissão Organizadora do VI Colóquio Internacional Marx e Engels poderá remanejar a distribuição das propostas de um grupo para outro.
Os Grupos Temáticos do V Colóquio são os seguintes:
GT 1 - A obra teórica de Marx
Exame crítico das obras de Marx e de Engels. As polêmicas suscitadas pela obra teórica de Marx e Engels.
GT 2 – Os marxismos
Exame crítico das obras dos clássicos do marxismo dos séculos XIX e XX. As correntes do pensamento marxista e suas transformações. A obra teórica dos marxistas brasileiros e latino-americanos. A questão da renovação e atualização do marxismo.
GT 3 - Marxismo e ciências humanas
Exame da presença do marxismo na economia, na sociologia, na ciência política, na antropologia, na história, na área de relações internacionais, na geografia, no serviço social e no direito. Exame da crítica marxista das ciências humanas e das contribuições das ciências humanas para o desenvolvimento do marxismo. Polêmicas teóricas e desenvolvimentos conceituais do marxismo nessas áreas de conhecimento. A presença do marxismo na universidade brasileira e latino-americana.
GT 4 - Economia e política no capitalismo contemporâneo
Enfoque marxista das transformações econômicas, políticas e sociais do capitalismo no final do século XX e início do século XXI. Novos padrões de acumulação de capital, nova fase do imperialismo, transformações do Estado e da democracia capitalista. A situação dos países dominantes e dos países dependentes. Brasil e América Latina.
GT 5 - Relações de classe no capitalismo contemporâneo
Enfoque marxista das transformações ocorridas na estrutura de classes. Trabalhadores, classe operária, “nova classe operária” e “classe média”. A pequena burguesia. O campesinato no capitalismo atual. O debate sobre o declínio da polarização de classes no final do século XX e início do século XXI. As classes trabalhadoras e os movimentos sociais e populares. A nova configuração da burguesia. As classes sociais no Brasil e na América Latina. O conceito marxista de classe social e de luta de classes face ao capitalismo contemporâneo.
GT 6 - Educação, capitalismo e socialismo
As relações do sistema educacional com o capitalismo da perspectiva marxista: formação da força de trabalho; educação e classes sociais; ideologia e processo educacional; política educacional. Análise marxista da educação no Brasil e na América Latina. Os aparelhos culturais do capitalismo (universidades, centros de pesquisa). Os centros culturais criados pelo movimento socialista. Análise das experiências educacionais realizadas nas sociedades surgidas das revoluções socialistas do século XX. A teoria marxista e a educação.
GT 7 - Cultura, capitalismo e socialismo
Capitalismo e produção cultural: as novas tendências; as artes plásticas, a literatura e a indústria cultural. Análise marxista da cultura no Brasil e na América Latina. Cultura e socialismo: os movimentos culturais nas sociedades surgidas das revoluções do século XX. O marxismo e a produção cultural.
GT 8 - Socialismo no século XXI
Análise marxista das revoluções do século XX. A herança comunista e socialista dos séculos XIX e XX e o socialismo do século XXI. Marxismo e socialismo. A questão da renovação do socialismo. Teoria da transição ao socialismo. Trabalhadores e transição socialista. Trunfos e obstáculos para a reconstrução do movimento socialista no século XXI.
GT 9 – Trabalho e produção no capitalismo contemporâneo
Teoria social, trabalho e produção. As concepções teóricas sobre o universo produtivo. Processos de produção: processo de valorização e processo de trabalho. Controle e gestão do processo de trabalho. Luta de classes na produção. Precarização das condições de trabalho e emprego e requalificação da força de trabalho. Teorias sobre a afirmação e recusa da centralidade do trabalho. As novas formas de exploração do trabalho: trabalho imaterial, trabalho informal, precário e informacional.
INSCRIÇÃO DE TRABALHOS
A inscrição de trabalhos poderá ser feita entre 2 de março e 15 de junho de 2009. O pesquisador deverá preencher a ficha de inscrição na página do Cemarx (www.unicamp.br/cemarx). Além disso, deverá enviar duas cópias impressas de seu trabalho para o Cemarx, juntamente com uma cópia da ficha de inscrição. Atenção! O autor deverá indicar na parte externa do envelope e de modo visível:
a) o Grupo Temático (GT) para o qual está enviando sua comunicação ou proposta de mesa coordenada;
b) o seu endereço postal completo e o seu endereço eletrônico.
MODALIDADES DE INSCRIÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS
1. Comunicações
O texto da comunicação deverá conter entre quinze e vinte e quatro mil caracteres (contando espaço e notas), perfazendo um máximo de dez páginas, em times new roman 12. As propostas de trabalho que ultrapassarem esse limite não serão consideradas. Do texto, deverão constar: nome do evento, o título do trabalho, o nome do(s) autor(es) e a sua(s) condição(ões) (professor, pós-graduando ou pesquisador independente), GT a que se destina. O texto do trabalho deve definir claramente o tema que será examinado, a metodologia utilizada na pesquisa e apresentar as suas teses e argumentos e explicitar o debate (teórico, historiográfico ou político) no qual o trabalho se insere. Importante! Os textos devem seguir as normas de citação apresentadas na página do Cemarx.
2. Mesas coordenadas
Uma mesa coordenada é composta de um conjunto de ao menos quatro comunicações inscritas no âmbito de um GT. Um número reduzido de mesas coordenadas serão aceitas, privilegiando nesta modalidade de inscrição propostas encaminhadas por grupos, núcleos ou centros de pesquisa, bem como associações científicas e culturais. As comunicações dos participantes da mesa, formatadas de acordo com o item anterior, deverão ser enviadas conjuntamente, acompanhadas de uma breve justificativa da mesa. Cabe à instituição proponente obter os recursos necessários à participação dos componentes da mesa.
3. Pôsteres
O VI Colóquio Internacional Marx e Engels está aberto à participação de estudantes de graduação, que poderão apresentar trabalhos de pesquisa de iniciação científica ou de conclusão de curso cujos temas se enquadrem em um dos Grupos Temáticos do colóquio.
O resumo do trabalho deverá conter de três a cinco mil caracteres (contando espaço e notas) em times new roman 12. Do texto deverão constar o título do trabalho, o nome do autor e o curso de graduação no qual ele está matriculado. O texto deve apresentar o tema da pesquisa e as suas principais idéias e informações. As instruções para a confecção do pôster serão publicadas na página eletrônica do Cemarx.
DIVULGAÇÃO DE RESULTADOS
As inscrições encerram-se no dia 15 de junho. Os trabalhos aceitos serão divulgados na página do Cemarx, conforme o cronograma abaixo:
30 de julho: comunicações;
15 de agosto: pôsteres.
Os resultados serão divulgados quatro meses antes do início do evento para que todos tenham tempo de solicitar financiamento às agências de fomento e universidades, uma vez que o Cemarx não pode financiar os participantes do evento.
PROGRAMAÇÃO GERAL
Dia 3 de novembro (terça-feira)
14h às 18h: Sessão plenária I
19h: Reunião dos grupos de trabalho
Dia 4 de novembro (quarta-feira)
9h às 12h: Sessão plenária II
12h às 14h: Painéis
14h às 18h: Mesas coordenadas
18h30: Lançamento de livros
19h: Reunião da revista Crítica Marxista
Dia 5 de novembro (quinta-feira)
9h às 12h: Sessão plenária III
12h às 14h: Painéis
14h às 18h: Reunião dos grupos de trabalho
18h30: Lançamento de livros
19h: Reunião da revista Outubro
Dia 6 de novembro (sexta-feira)
9h às 12h: Reunião dos grupos de trabalho
12h às 14h: Painéis
14h às 18h: Sessão plenária IV
19h: Jantar de encerramento
ENDEREÇOS E CONTATOS
Inscrições:
Centro de Estudos Marxistas (Cemarx), IFCH-Unicamp
Caixa Postal 6110 CEP 13083-970 Campinas SP ‑ Brasil
(5519) 3521-1639/ www.unicamp.br/cemarx/ cemarx@unicamp.br
Informações (a partir de 01 de agosto de 2009):
Secretaria de Eventos do IFCH-Unicamp (5519) 3521-1601 / seceven@unicamp.br
Eventos O Centro de Estudos Marxistas (Cemarx), do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), iniciou a chamada de trabalhos para o VI COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS. A inscrição de trabalhos estará aberta entre 2 de março e 15 de junho de 2009.
INFORMAÇÕES GERAIS
O Colóquio Internacional Marx e Engels acolhe, fundamentalmente, dois tipos de comunicações: as que tomem a teoria marxista como objeto de pesquisa, seja para analisar essa teoria, criticá-la ou desenvolvê-la, e as que utilizem o aparato conceitual do marxismo em pesquisas empíricas ou teóricas que se enquadrem nos Grupos Temáticos desse evento.
Os pesquisadores interessados em inscrever seus trabalhos deverão indicar em qual Grupo Temático eles se inserem. Eventualmente, a Comissão Organizadora do VI Colóquio Internacional Marx e Engels poderá remanejar a distribuição das propostas de um grupo para outro.
Os Grupos Temáticos do V Colóquio são os seguintes:
GT 1 - A obra teórica de Marx
Exame crítico das obras de Marx e de Engels. As polêmicas suscitadas pela obra teórica de Marx e Engels.
GT 2 – Os marxismos
Exame crítico das obras dos clássicos do marxismo dos séculos XIX e XX. As correntes do pensamento marxista e suas transformações. A obra teórica dos marxistas brasileiros e latino-americanos. A questão da renovação e atualização do marxismo.
GT 3 - Marxismo e ciências humanas
Exame da presença do marxismo na economia, na sociologia, na ciência política, na antropologia, na história, na área de relações internacionais, na geografia, no serviço social e no direito. Exame da crítica marxista das ciências humanas e das contribuições das ciências humanas para o desenvolvimento do marxismo. Polêmicas teóricas e desenvolvimentos conceituais do marxismo nessas áreas de conhecimento. A presença do marxismo na universidade brasileira e latino-americana.
GT 4 - Economia e política no capitalismo contemporâneo
Enfoque marxista das transformações econômicas, políticas e sociais do capitalismo no final do século XX e início do século XXI. Novos padrões de acumulação de capital, nova fase do imperialismo, transformações do Estado e da democracia capitalista. A situação dos países dominantes e dos países dependentes. Brasil e América Latina.
GT 5 - Relações de classe no capitalismo contemporâneo
Enfoque marxista das transformações ocorridas na estrutura de classes. Trabalhadores, classe operária, “nova classe operária” e “classe média”. A pequena burguesia. O campesinato no capitalismo atual. O debate sobre o declínio da polarização de classes no final do século XX e início do século XXI. As classes trabalhadoras e os movimentos sociais e populares. A nova configuração da burguesia. As classes sociais no Brasil e na América Latina. O conceito marxista de classe social e de luta de classes face ao capitalismo contemporâneo.
GT 6 - Educação, capitalismo e socialismo
As relações do sistema educacional com o capitalismo da perspectiva marxista: formação da força de trabalho; educação e classes sociais; ideologia e processo educacional; política educacional. Análise marxista da educação no Brasil e na América Latina. Os aparelhos culturais do capitalismo (universidades, centros de pesquisa). Os centros culturais criados pelo movimento socialista. Análise das experiências educacionais realizadas nas sociedades surgidas das revoluções socialistas do século XX. A teoria marxista e a educação.
GT 7 - Cultura, capitalismo e socialismo
Capitalismo e produção cultural: as novas tendências; as artes plásticas, a literatura e a indústria cultural. Análise marxista da cultura no Brasil e na América Latina. Cultura e socialismo: os movimentos culturais nas sociedades surgidas das revoluções do século XX. O marxismo e a produção cultural.
GT 8 - Socialismo no século XXI
Análise marxista das revoluções do século XX. A herança comunista e socialista dos séculos XIX e XX e o socialismo do século XXI. Marxismo e socialismo. A questão da renovação do socialismo. Teoria da transição ao socialismo. Trabalhadores e transição socialista. Trunfos e obstáculos para a reconstrução do movimento socialista no século XXI.
GT 9 – Trabalho e produção no capitalismo contemporâneo
Teoria social, trabalho e produção. As concepções teóricas sobre o universo produtivo. Processos de produção: processo de valorização e processo de trabalho. Controle e gestão do processo de trabalho. Luta de classes na produção. Precarização das condições de trabalho e emprego e requalificação da força de trabalho. Teorias sobre a afirmação e recusa da centralidade do trabalho. As novas formas de exploração do trabalho: trabalho imaterial, trabalho informal, precário e informacional.
INSCRIÇÃO DE TRABALHOS
A inscrição de trabalhos poderá ser feita entre 2 de março e 15 de junho de 2009. O pesquisador deverá preencher a ficha de inscrição na página do Cemarx (www.unicamp.br/cemarx). Além disso, deverá enviar duas cópias impressas de seu trabalho para o Cemarx, juntamente com uma cópia da ficha de inscrição. Atenção! O autor deverá indicar na parte externa do envelope e de modo visível:
a) o Grupo Temático (GT) para o qual está enviando sua comunicação ou proposta de mesa coordenada;
b) o seu endereço postal completo e o seu endereço eletrônico.
MODALIDADES DE INSCRIÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS
1. Comunicações
O texto da comunicação deverá conter entre quinze e vinte e quatro mil caracteres (contando espaço e notas), perfazendo um máximo de dez páginas, em times new roman 12. As propostas de trabalho que ultrapassarem esse limite não serão consideradas. Do texto, deverão constar: nome do evento, o título do trabalho, o nome do(s) autor(es) e a sua(s) condição(ões) (professor, pós-graduando ou pesquisador independente), GT a que se destina. O texto do trabalho deve definir claramente o tema que será examinado, a metodologia utilizada na pesquisa e apresentar as suas teses e argumentos e explicitar o debate (teórico, historiográfico ou político) no qual o trabalho se insere. Importante! Os textos devem seguir as normas de citação apresentadas na página do Cemarx.
2. Mesas coordenadas
Uma mesa coordenada é composta de um conjunto de ao menos quatro comunicações inscritas no âmbito de um GT. Um número reduzido de mesas coordenadas serão aceitas, privilegiando nesta modalidade de inscrição propostas encaminhadas por grupos, núcleos ou centros de pesquisa, bem como associações científicas e culturais. As comunicações dos participantes da mesa, formatadas de acordo com o item anterior, deverão ser enviadas conjuntamente, acompanhadas de uma breve justificativa da mesa. Cabe à instituição proponente obter os recursos necessários à participação dos componentes da mesa.
3. Pôsteres
O VI Colóquio Internacional Marx e Engels está aberto à participação de estudantes de graduação, que poderão apresentar trabalhos de pesquisa de iniciação científica ou de conclusão de curso cujos temas se enquadrem em um dos Grupos Temáticos do colóquio.
O resumo do trabalho deverá conter de três a cinco mil caracteres (contando espaço e notas) em times new roman 12. Do texto deverão constar o título do trabalho, o nome do autor e o curso de graduação no qual ele está matriculado. O texto deve apresentar o tema da pesquisa e as suas principais idéias e informações. As instruções para a confecção do pôster serão publicadas na página eletrônica do Cemarx.
DIVULGAÇÃO DE RESULTADOS
As inscrições encerram-se no dia 15 de junho. Os trabalhos aceitos serão divulgados na página do Cemarx, conforme o cronograma abaixo:
30 de julho: comunicações;
15 de agosto: pôsteres.
Os resultados serão divulgados quatro meses antes do início do evento para que todos tenham tempo de solicitar financiamento às agências de fomento e universidades, uma vez que o Cemarx não pode financiar os participantes do evento.
PROGRAMAÇÃO GERAL
Dia 3 de novembro (terça-feira)
14h às 18h: Sessão plenária I
19h: Reunião dos grupos de trabalho
Dia 4 de novembro (quarta-feira)
9h às 12h: Sessão plenária II
12h às 14h: Painéis
14h às 18h: Mesas coordenadas
18h30: Lançamento de livros
19h: Reunião da revista Crítica Marxista
Dia 5 de novembro (quinta-feira)
9h às 12h: Sessão plenária III
12h às 14h: Painéis
14h às 18h: Reunião dos grupos de trabalho
18h30: Lançamento de livros
19h: Reunião da revista Outubro
Dia 6 de novembro (sexta-feira)
9h às 12h: Reunião dos grupos de trabalho
12h às 14h: Painéis
14h às 18h: Sessão plenária IV
19h: Jantar de encerramento
ENDEREÇOS E CONTATOS
Inscrições:
Centro de Estudos Marxistas (Cemarx), IFCH-Unicamp
Caixa Postal 6110 CEP 13083-970 Campinas SP ‑ Brasil
(5519) 3521-1639/ www.unicamp.br/cemarx/ cemarx@unicamp.br
Informações (a partir de 01 de agosto de 2009):
Secretaria de Eventos do IFCH-Unicamp (5519) 3521-1601 / seceven@unicamp.br
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VAI ACONTECER...
CONFERÊNCIA SOBRE REALISMO CRÍTICO E EMANCIPAÇÃO HUMANA
CONFERÊNCIA SOBRE REALISMO CRÍTICO E EMANCIPAÇÃO HUMANA
2009-01-26 00:01:46
Eventos A XII Conferência Anual da Associação Internacional para o Realismo Crítico (IACR) terá como tema "Realismo e Emancipação Humana: Um Outro Mundo É Possível?". O evento será sediado pela Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, no período de 23 e 25 de julho de 2009 e contará com a presença de renomados intelectuais brasileiros e internacionais (Alex Callinicos, Alvaro Bianchi, Mario Duayer, Nicolas Tertulian, Roy Bashkar, Virgínia Fontes e muitos outros).
Tema da Conferência: Realismo e Emancipação Humana: Outro Mundo É Possível?
Nos últimos trinta anos o realismo crítico apresentou o seu projeto de elaborar uma ontologia que pudesse rivalizar em qualquer nível com a ontologia explícita nas tradições positivista e idealista. A ontologia resultante desse esforço coletivo deveria ser capaz de fornecer à ciência, natural e social, um fundamento filosófico explícito.
A filosofia para a ciência proposta pelo realismo crítico pressupõe que a verdade faz uma diferença. Contra doutrinas teóricas da moda contemporâneas, para as quais a verdade é simplesmente uma “quinta roda”, o realismo crítico concentra seus esforços na demonstração de que podemos ter um conhecimento objetivo da realidade. No caso da realidade social, o realismo crítico sustenta enfaticamente que o conhecimento objetivo é um pressuposto para a emancipação humana de estruturas sociais opressivas, desiguais, indesejáveis e desnecessárias.
Afirmar a verdade como uma condição para a emancipação humana parece ser ainda mais crucial nos dias de hoje, especialmente porque a surpreendente e abrupta retirada do “relativismo no atacado” prevalente nos anos 80 e 90 deixou um rastro de idéias que influenciam as práticas científica, econômica, política, cultural etc. A conferência tem a intenção de discutir, com a contribuição de diversas perspectivas teóricas realistas, a eliminação desse rastro que, fundado no realismo empírico, implícita ou explicitamente impede conceber outro mundo possível.
Chamada de Trabalhos
Data-limite para envio dos resumos: 16 de março de 2009. Os resumos devem ser enviados para iacr2009@vm.uff.br. Os resumos devem ser no máximo de 250 palavras, de preferência em formato Word. Os resumos selecionados serão notificados até meados de abril de 2009. Os artigos selecionados deverão ser entregues até 11 de maio de 2009.
A Conferência pretende receber contribuições de todas as áreas das ciências sociais e naturais. A chamada de trabalhos dirige-se a pesquisadores que investigam temas do realismo crítico e a todos aqueles que, desde diferentes perspectivas, procuram suspender o persistente embargo à crítica ontológica e, conseqüentemente, reafirmam o nexo entre verdade e emancipação humana.
Para mais informações, acesse o site oficial da conferência aqui
2009-01-26 00:01:46
Eventos A XII Conferência Anual da Associação Internacional para o Realismo Crítico (IACR) terá como tema "Realismo e Emancipação Humana: Um Outro Mundo É Possível?". O evento será sediado pela Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, no período de 23 e 25 de julho de 2009 e contará com a presença de renomados intelectuais brasileiros e internacionais (Alex Callinicos, Alvaro Bianchi, Mario Duayer, Nicolas Tertulian, Roy Bashkar, Virgínia Fontes e muitos outros).
Tema da Conferência: Realismo e Emancipação Humana: Outro Mundo É Possível?
Nos últimos trinta anos o realismo crítico apresentou o seu projeto de elaborar uma ontologia que pudesse rivalizar em qualquer nível com a ontologia explícita nas tradições positivista e idealista. A ontologia resultante desse esforço coletivo deveria ser capaz de fornecer à ciência, natural e social, um fundamento filosófico explícito.
A filosofia para a ciência proposta pelo realismo crítico pressupõe que a verdade faz uma diferença. Contra doutrinas teóricas da moda contemporâneas, para as quais a verdade é simplesmente uma “quinta roda”, o realismo crítico concentra seus esforços na demonstração de que podemos ter um conhecimento objetivo da realidade. No caso da realidade social, o realismo crítico sustenta enfaticamente que o conhecimento objetivo é um pressuposto para a emancipação humana de estruturas sociais opressivas, desiguais, indesejáveis e desnecessárias.
Afirmar a verdade como uma condição para a emancipação humana parece ser ainda mais crucial nos dias de hoje, especialmente porque a surpreendente e abrupta retirada do “relativismo no atacado” prevalente nos anos 80 e 90 deixou um rastro de idéias que influenciam as práticas científica, econômica, política, cultural etc. A conferência tem a intenção de discutir, com a contribuição de diversas perspectivas teóricas realistas, a eliminação desse rastro que, fundado no realismo empírico, implícita ou explicitamente impede conceber outro mundo possível.
Chamada de Trabalhos
Data-limite para envio dos resumos: 16 de março de 2009. Os resumos devem ser enviados para iacr2009@vm.uff.br. Os resumos devem ser no máximo de 250 palavras, de preferência em formato Word. Os resumos selecionados serão notificados até meados de abril de 2009. Os artigos selecionados deverão ser entregues até 11 de maio de 2009.
A Conferência pretende receber contribuições de todas as áreas das ciências sociais e naturais. A chamada de trabalhos dirige-se a pesquisadores que investigam temas do realismo crítico e a todos aqueles que, desde diferentes perspectivas, procuram suspender o persistente embargo à crítica ontológica e, conseqüentemente, reafirmam o nexo entre verdade e emancipação humana.
Para mais informações, acesse o site oficial da conferência aqui
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VAI ACONTECER...
IV JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS
IV JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Eventos No período de 25 a 28 de agosto de 2009 será realizada em São Luís-MA a IV Jornada Internacional de Políticas Públicas (IV JOINPP), com o tema "NEOLIBERALISMO E LUTAS SOCIAIS: perspectivas para as Políticas Públicas".
O evento é promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e o local do IV JOINPP é o campus universitário do Bacanga – UFMA, Bacanga - São Luís/MA. As inscrições já podem ser realizadas.
Para mais informações, consulte o site do evento clicando aqui.
O evento é promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e o local do IV JOINPP é o campus universitário do Bacanga – UFMA, Bacanga - São Luís/MA. As inscrições já podem ser realizadas.
Para mais informações, consulte o site do evento clicando aqui.
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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
O capital que pague
retirado de http://www.jornalmudardevida.net/?p=1432
O capital que pague
Sejamos claros: é a classe operária que sofre em primeiro lugar, e acima de todas as outras, o desgaste da crise. Basta ver as notícias e os números dos despedimentos. E o grosso dos apoios do Estado exclui precisamente os que mais sofrem com a situação.
Não é de espantar: para os capitalistas, sair da crise é forçar os assalariados a produzirem mais valor por cada euro de capital investido. Ignorar isto é ignorar tudo.
Apelos vagos à defesa “das pessoas” ou a “outra política” estão longe de evidenciar o conflito fundamental de interesses que a crise traz à superfície; e, por isso, não traçam uma linha que ponha de um lado as necessidades da classe operária, e do outro as ambições do capital. Ora, sobretudo nas actuais condições, defender os interesses económicos e sociais da classe operária significará um ganho para todas as demais classes trabalhadoras – mas a inversa não é verdadeira.
Posta a questão neste pé, há duas necessidades vitais, imediatas, do operariado que são de defesa obrigatória: o emprego e o nível de vida. E as medidas para isso são óbvias:
Suspender os despedimentos.
Reduzir o horário de trabalho sem baixar os salários, criando mais empregos, incluindo emprego público de utilidade social.
Aumentar o poder de compra, reduzindo o leque salarial, subindo os salários e reformas mais baixos.
Destinar o dinheiro do Estado para apoiar o emprego e a produção.
Há quem veja nisto “irrealismo”. Mas irrealismo é acreditar que se possa defender as necessidades de quem trabalha sem atacar os ganhos do capital. E porque se trata de atacar os ganhos do capital, sabemos que tais medidas só se tornarão efectivas se um forte movimento dos trabalhadores as impuser.
O capital que pague
Sejamos claros: é a classe operária que sofre em primeiro lugar, e acima de todas as outras, o desgaste da crise. Basta ver as notícias e os números dos despedimentos. E o grosso dos apoios do Estado exclui precisamente os que mais sofrem com a situação.
Não é de espantar: para os capitalistas, sair da crise é forçar os assalariados a produzirem mais valor por cada euro de capital investido. Ignorar isto é ignorar tudo.
Apelos vagos à defesa “das pessoas” ou a “outra política” estão longe de evidenciar o conflito fundamental de interesses que a crise traz à superfície; e, por isso, não traçam uma linha que ponha de um lado as necessidades da classe operária, e do outro as ambições do capital. Ora, sobretudo nas actuais condições, defender os interesses económicos e sociais da classe operária significará um ganho para todas as demais classes trabalhadoras – mas a inversa não é verdadeira.
Posta a questão neste pé, há duas necessidades vitais, imediatas, do operariado que são de defesa obrigatória: o emprego e o nível de vida. E as medidas para isso são óbvias:
Suspender os despedimentos.
Reduzir o horário de trabalho sem baixar os salários, criando mais empregos, incluindo emprego público de utilidade social.
Aumentar o poder de compra, reduzindo o leque salarial, subindo os salários e reformas mais baixos.
Destinar o dinheiro do Estado para apoiar o emprego e a produção.
Há quem veja nisto “irrealismo”. Mas irrealismo é acreditar que se possa defender as necessidades de quem trabalha sem atacar os ganhos do capital. E porque se trata de atacar os ganhos do capital, sabemos que tais medidas só se tornarão efectivas se um forte movimento dos trabalhadores as impuser.
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ARTIGOS
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
SOCIALISMO OU ESTATISMO?
SOCIALISMO OU ESTATISMO?
Maurício Tragtenberg
A reedição da obra de Rudolf Rocker, velho militante libertário
alemão na Europa e nos Estados Unidos, no Brasil, se constitui em tema de
primeira importância. R. Rocker coloca em discussão os grandes temas do
socialismo mundial: a relação Partido e classe operária, as relações do
socialismo com o Estado seja ele “burguês” ou “proletário” e a viabilidade
de um projeto socialista não burocrático e autoritário.
Mostra ele, se não quisermos o fascismo nem a social democracia
nem a burocracia autoritária stalinista ou não, temos que nos bater contra a
“direita” e ao mesmo tempo contra a exploração do trabalho pelo capital,
procurando alterar as forças no interior da “esquerda” introduzindo ali a
luta contra a divisão de trabalho, contra a hierarquia e as relações
autoritárias. Eis que os clássicos “partidos de esquerda” reduzem a
revolução social a formas consagradas, a cerimônias onde o Partido torna-
se seu próprio fim possibilitando a pessoas que gostariam de transformar
sua vida, e não podem fazê-lo, interiorizar essa transformação no simples
fato de “pertencerem” ao Partido.
O conceito de “partido histórico” surge dessa prática, o partido
perdeu sua marca revolucionária, transformou-se numa “instituição” onde
sua história foi reabsorvida. Ele é uma instituição que se dirige a indivíduos
abstratos e atomizados, enquanto uma verdadeira praxis só pode surgir a
partir de movimentos coletivos concretos. Daí a necessidade de
desenvolver nas pessoas o espírito de crítica a qualquer “ordem” e não o
respeito de uma “ordem” pretensamente revolucionária. Para Rocker a
liberdade para todos implica na sua própria liberdade, daí a história da
classe operária revelar certa consciência da liberdade, pois, se os homens
fossem semelhantes a coisas as lutas revolucionárias perderiam qualquer
sentido. Rocker entende a revolução como o acesso dos homens à
liberdade, porém além dos limites do liberalismo clássico, define que se é
livre entre iguais, a liberdade tem a igualdade como fundamento.
R. Rocker faz a crítica do “planismo de Estado” travestido de
“socialista” onde partidos hierárquicos burocráticos e centralizados
produzem estruturas burocráticas, hierárquicas e centralizadas também.
Perpetuam a separação entre “pensar” e “fazer” muitos fazem e poucos
pensam, reproduzem a separação entre “dirigentes” e dirigidos. No vasto
movimento da classe operária internacional todos são militantes, isso é que
é fundamental reter.
Especialmente significativo é o seu capítulo “Socialismo e Estado”
onde discute os temas cruciais do “socialismo burocrático” colocado
teoricamente em xeque pelos socialistas libertários do século passado como
Proudhon e Bakunin, por marxistas como Gramsci no seu primeiro período,
por Penekoek, teórico dos “conselhos operários”, e praticamente contestado
pelo gigantesco movimento de trabalhadores na Polônia em torno do
sindicato “Solidariedade”.
No capítulo anteriormente citado, Rocker discute a espinhosa
questão do “Estado de transição”, iniciando por uma crítica ao “socialismo
de Estado” de Louis Blanc e Lassalle que pretendiam utilizar o Estado
burguês para acelerar a mudança social, pretensão essa retomada pelos
partidos social democráticos da IIa. Internacional e pelo “euro comunismo”,
uma social democracia “recuperada”.
Não deixa também Rocker de criticar a tese do “Estado transitório”
ou o conceito de “Ditadura do Proletariado” como fase transitória do
capitalismo ao socialismo. Pois, em Marx não se observa uma linearidade a
respeito do tema do “desaparecimento do Estado”, pois há diferenças de
posição a respeito em textos como “O Manifesto do Partido Comunista” e
“A Guerra Civil em França”. Embora não desapareçam todas as
ambigüidades, a constante da análise de Marx reside na noção do
“debilitamento paulatino” do Estado Operário a partir de sua constituição.
É mister esclarecer que o conceito de “ditadura do proletariado” é de
Blanqui e foi desenvolvido por Lenin num sentido mais blanquista que
marxista, como notou Rosa Luxemburg em “A Revolução Russa”. Embora
Marx tenha utilizado o conceito “ditadura do proletariado” na Crítica ao
Programa de Gotha, o fez raramente depois. Entre a definição marxista e a
leninista do conceito há uma diferença básica: Marx caracteriza como
“ditadura do proletariado” uma forma de sociedade, enquanto Lenin
caracteriza-a como uma forma de governo.
A 30 de maio de 1871, Marx em “A Guerra Civil em França” adota a
tese de “ditadura do proletariado” igual a governo comunal autogestionário
que Engels, na sua Introdução à edição alemã de 1891, aponta a Comuna de
Paris “como exemplo típico de ditadura do proletariado”. Isso significa
uma revisão total das idéias a respeito expostas no “Manifesto do Partido
Comunista” em 1848: Na realidade Marx oscila entre o estatismo e o anti-
estatismo. Isso se deveu ao fato de ter sofrido influência jacobina no
sentido do estatismo e de Proudhon no sentido anti-estatista, daí suas
posturas libertárias rechaçando o “socialismo de Estado” de Louis Blanc e
Lassalle.
Outro ponto a enfatizar na atitude do socialismo libertário enquanto
prática e teoria política é sua defesa do operário não especializado, vendo
no “especializado” o germe de uma futura “aristocracia operária”, já
criticada por Marx no século XIX e Lenin no século XX que se constitui
em suporte da política social-democrática e sindical burocrática na Europa.
Por outro lado, é saudável a atitude crítica do socialismo libertário
ante a hegemonia dos intelectuais nos chamados partidos “proletários”, eis
que, os mesmos, na sua maioria de origem burguesa ou pequeno burguesa
tendem a levar ao movimento operário seus vícios de formação classista,
dominando os Comitês Centrais desses partidos e ao tomar o poder de
Estado planejam “para” o proletariado “sem” o proletariado. A hegemonia
da intelectualidade pequeno burguesa na sua maioria autoritária, carreirista
e ávida de poder se realiza através dos partidos autoritários de “esquerda”
com a legitimidade conferida pela teoria da “vanguarda” elaborada por
Kautsky e retomada por Lenin segundo a qual eles como portadores da
“ciência” levam ao proletariado por mediação do partido “a consciência
política”, pois o operário deixado a si mesmo só chegaria a um nível de
consciência econômica, argumentam Kautsky e Lenin. Na prática o que se
deu é que a camada intelectual enraizada no Partido Único no leste europeu
e na URSS tendem a se transformar numa burocracia autoritária com
privilégios e imunidades ante a classe operária, cuja contestação é dada
pelos trabalhadores hoje na Polônia. Sua ação em torno do sindicato
“Solidariedade” se constitui num saudável exercício de política operária
oposta ao chamado “socialismo burocrático” estatista.
Em suma, a obra de R. Rocker é fundamental na medida em que
mostra a possibilidade de uma prática socialista que deriva das bases - por
exemplo, os conselhos de fábrica - que atuam não só como contestação ao
modo de produção capitalista, mas também como agentes de um novo
modo de produção qualitativamente distinto do capitalista. A negação dessa
prática de “Comissões de Fábrica” como elemento fundante de uma nova
estrutura produtiva somente levou às formas de “socialismo de Estado”
onde relações capitalistas de produção regidas pela lei do valor continuam
sob roupagem nova. É isso que cabe desmistificar, daí a atualidade do
presente livro em boa hora reeditado.
Transcrito da introdução do livro As Idéias Absolutistas no Socialismo
de Rudolf Rocker
Maurício Tragtenberg
A reedição da obra de Rudolf Rocker, velho militante libertário
alemão na Europa e nos Estados Unidos, no Brasil, se constitui em tema de
primeira importância. R. Rocker coloca em discussão os grandes temas do
socialismo mundial: a relação Partido e classe operária, as relações do
socialismo com o Estado seja ele “burguês” ou “proletário” e a viabilidade
de um projeto socialista não burocrático e autoritário.
Mostra ele, se não quisermos o fascismo nem a social democracia
nem a burocracia autoritária stalinista ou não, temos que nos bater contra a
“direita” e ao mesmo tempo contra a exploração do trabalho pelo capital,
procurando alterar as forças no interior da “esquerda” introduzindo ali a
luta contra a divisão de trabalho, contra a hierarquia e as relações
autoritárias. Eis que os clássicos “partidos de esquerda” reduzem a
revolução social a formas consagradas, a cerimônias onde o Partido torna-
se seu próprio fim possibilitando a pessoas que gostariam de transformar
sua vida, e não podem fazê-lo, interiorizar essa transformação no simples
fato de “pertencerem” ao Partido.
O conceito de “partido histórico” surge dessa prática, o partido
perdeu sua marca revolucionária, transformou-se numa “instituição” onde
sua história foi reabsorvida. Ele é uma instituição que se dirige a indivíduos
abstratos e atomizados, enquanto uma verdadeira praxis só pode surgir a
partir de movimentos coletivos concretos. Daí a necessidade de
desenvolver nas pessoas o espírito de crítica a qualquer “ordem” e não o
respeito de uma “ordem” pretensamente revolucionária. Para Rocker a
liberdade para todos implica na sua própria liberdade, daí a história da
classe operária revelar certa consciência da liberdade, pois, se os homens
fossem semelhantes a coisas as lutas revolucionárias perderiam qualquer
sentido. Rocker entende a revolução como o acesso dos homens à
liberdade, porém além dos limites do liberalismo clássico, define que se é
livre entre iguais, a liberdade tem a igualdade como fundamento.
R. Rocker faz a crítica do “planismo de Estado” travestido de
“socialista” onde partidos hierárquicos burocráticos e centralizados
produzem estruturas burocráticas, hierárquicas e centralizadas também.
Perpetuam a separação entre “pensar” e “fazer” muitos fazem e poucos
pensam, reproduzem a separação entre “dirigentes” e dirigidos. No vasto
movimento da classe operária internacional todos são militantes, isso é que
é fundamental reter.
Especialmente significativo é o seu capítulo “Socialismo e Estado”
onde discute os temas cruciais do “socialismo burocrático” colocado
teoricamente em xeque pelos socialistas libertários do século passado como
Proudhon e Bakunin, por marxistas como Gramsci no seu primeiro período,
por Penekoek, teórico dos “conselhos operários”, e praticamente contestado
pelo gigantesco movimento de trabalhadores na Polônia em torno do
sindicato “Solidariedade”.
No capítulo anteriormente citado, Rocker discute a espinhosa
questão do “Estado de transição”, iniciando por uma crítica ao “socialismo
de Estado” de Louis Blanc e Lassalle que pretendiam utilizar o Estado
burguês para acelerar a mudança social, pretensão essa retomada pelos
partidos social democráticos da IIa. Internacional e pelo “euro comunismo”,
uma social democracia “recuperada”.
Não deixa também Rocker de criticar a tese do “Estado transitório”
ou o conceito de “Ditadura do Proletariado” como fase transitória do
capitalismo ao socialismo. Pois, em Marx não se observa uma linearidade a
respeito do tema do “desaparecimento do Estado”, pois há diferenças de
posição a respeito em textos como “O Manifesto do Partido Comunista” e
“A Guerra Civil em França”. Embora não desapareçam todas as
ambigüidades, a constante da análise de Marx reside na noção do
“debilitamento paulatino” do Estado Operário a partir de sua constituição.
É mister esclarecer que o conceito de “ditadura do proletariado” é de
Blanqui e foi desenvolvido por Lenin num sentido mais blanquista que
marxista, como notou Rosa Luxemburg em “A Revolução Russa”. Embora
Marx tenha utilizado o conceito “ditadura do proletariado” na Crítica ao
Programa de Gotha, o fez raramente depois. Entre a definição marxista e a
leninista do conceito há uma diferença básica: Marx caracteriza como
“ditadura do proletariado” uma forma de sociedade, enquanto Lenin
caracteriza-a como uma forma de governo.
A 30 de maio de 1871, Marx em “A Guerra Civil em França” adota a
tese de “ditadura do proletariado” igual a governo comunal autogestionário
que Engels, na sua Introdução à edição alemã de 1891, aponta a Comuna de
Paris “como exemplo típico de ditadura do proletariado”. Isso significa
uma revisão total das idéias a respeito expostas no “Manifesto do Partido
Comunista” em 1848: Na realidade Marx oscila entre o estatismo e o anti-
estatismo. Isso se deveu ao fato de ter sofrido influência jacobina no
sentido do estatismo e de Proudhon no sentido anti-estatista, daí suas
posturas libertárias rechaçando o “socialismo de Estado” de Louis Blanc e
Lassalle.
Outro ponto a enfatizar na atitude do socialismo libertário enquanto
prática e teoria política é sua defesa do operário não especializado, vendo
no “especializado” o germe de uma futura “aristocracia operária”, já
criticada por Marx no século XIX e Lenin no século XX que se constitui
em suporte da política social-democrática e sindical burocrática na Europa.
Por outro lado, é saudável a atitude crítica do socialismo libertário
ante a hegemonia dos intelectuais nos chamados partidos “proletários”, eis
que, os mesmos, na sua maioria de origem burguesa ou pequeno burguesa
tendem a levar ao movimento operário seus vícios de formação classista,
dominando os Comitês Centrais desses partidos e ao tomar o poder de
Estado planejam “para” o proletariado “sem” o proletariado. A hegemonia
da intelectualidade pequeno burguesa na sua maioria autoritária, carreirista
e ávida de poder se realiza através dos partidos autoritários de “esquerda”
com a legitimidade conferida pela teoria da “vanguarda” elaborada por
Kautsky e retomada por Lenin segundo a qual eles como portadores da
“ciência” levam ao proletariado por mediação do partido “a consciência
política”, pois o operário deixado a si mesmo só chegaria a um nível de
consciência econômica, argumentam Kautsky e Lenin. Na prática o que se
deu é que a camada intelectual enraizada no Partido Único no leste europeu
e na URSS tendem a se transformar numa burocracia autoritária com
privilégios e imunidades ante a classe operária, cuja contestação é dada
pelos trabalhadores hoje na Polônia. Sua ação em torno do sindicato
“Solidariedade” se constitui num saudável exercício de política operária
oposta ao chamado “socialismo burocrático” estatista.
Em suma, a obra de R. Rocker é fundamental na medida em que
mostra a possibilidade de uma prática socialista que deriva das bases - por
exemplo, os conselhos de fábrica - que atuam não só como contestação ao
modo de produção capitalista, mas também como agentes de um novo
modo de produção qualitativamente distinto do capitalista. A negação dessa
prática de “Comissões de Fábrica” como elemento fundante de uma nova
estrutura produtiva somente levou às formas de “socialismo de Estado”
onde relações capitalistas de produção regidas pela lei do valor continuam
sob roupagem nova. É isso que cabe desmistificar, daí a atualidade do
presente livro em boa hora reeditado.
Transcrito da introdução do livro As Idéias Absolutistas no Socialismo
de Rudolf Rocker
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MAURÍCIO TRAGTENBERG
Mauricio Tragtenberg discute a Revolução Russa
4. A REVOLUÇÃO RUSSA E A III INTERNACIONAL
A III Internacional surgiu em conseqüência da bancarrota da II Internacional, cujos partidos antes da Primeira Guerra proclamavam seu internacionalismo e sua oposição à chamada guerra imperialista. Declarada a guerra, cada partido socialista assumiu a defesa de sua pátria, convertendo-se ao nacional-patriotismo e declarando a luta de classes em moratória.
A eclosão da Revolução Russa de 1917, que levou o Partido Bolchevique (Partido Comunista Russo) ao poder, reuniu diferentes facções dos antigos partidos socialistas em Moscou, fundando-se em 1919 a III Internacional.
Pressentindo que a Internacional só poderia sê-lo nominalmente, pois que sua sede em Moscou a tornaria subordinada à política do Partido Comunista Russo, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo propuseram que a sede da mesma fosse em Berlim ou em outra cidade da Europa central.
É necessário situar que a tomada do poder pelo partido de Lênin (Partido Bolchevique) significou, antes de mais nada, a tentativa de colocar em prática um programa de oposição ao capitalismo privado. Também é importante considerar que a Revolução Russa enfrentou um período de guerra civil que durou anos e a intervenção de exércitos estrangeiros - alemães, ingleses, norte-americanos e tchecos -, auxiliados em algumas regiões por generais czaristas como Koltchak, Denikin, Wrangel, que queriam restabelecer o capitalismo privado.
É nessa conjuntura de guerra civil interna e invasão estrangeira que os dirigentes do PC russo procuram, antes de mais nada, vencer os invasores e ao mesmo tempo reorganizar a economia devastada. É quando Trotsky proclama o regime do “comunismo de guerra”. Os diretores de empresas industriais passariam a ser nomeados pelo Partido que detém o poder de Estado, e as unidades onde houve administração coletiva ou autogestionada deveriam subordinar-se à nova medida.
Paralelamente, Lênin introduz o taylorismo na URSS, significando, portanto, a volta à hierarquia nas fábricas, o planejamento restrito a um corpo de especialistas e a mão-de-obra realizando o que a cúpula técnica define como sendo os objetivos das empresas. Embora considerasse o taylorismo uma forma de organização do trabalho tipicamente capitalista, Lênin argumentava que o poder estava com o Partido e isso garantia a supremacia da classe operária no país. Assim, a técnica taylorista poderia ser colocada a serviço do proletariado.
Isso significou o fim dos comitês de fábrica e da autogestão nas empresas. A nova palavra de ordem de Trotsky era: trabalho, ordem e disciplina. Assim, já em 1920 das 2 051 empresas importantes, 1 783 estavam sob a direção de um administrador nomeado pelo Estado (Fonte: A. Kollontai, L’opposition ouvrière, Paris, Ed. du Seuil, 1944, p. 25).
Logicamente a primeira conquista da Revolução Russa, isto é, o controle dos meios e do ritmo de produção pelos próprios trabalhadores, tinha sido usurpada pelo Estado e pelo Partido que o dirigia.
Vinculado ao novo processo, o novo governo estabeleceu a “militarização do trabalho”, onde o salário passou a cumprir a mesma função que tem na economia capitalista clássica. Conforme Trotsky, “os salários, em dinheiro ou espécie, devem acompanhar o mais possível a produtividade do trabalho individual” (A. Kollontai, op. cit., p. 26). Os sindicatos converteram-se em disciplinadores da mão-de-obra, e Trotsky considerava que o mal da Rússia não era o excesso mas a insuficiência de burocracia.
As milícias operárias são integradas a uma estrutura nova que recebe o nome de Exército Vermelho, no qual ex-oficiais czaristas retomam a direção das tropas, mas sob controle do novo Estado. Restabelece-se a hierarquia - os diversos graus diferenciadores da titulação militar -, porém, na medida em que o Partido detém o poder e, segundo Lênin, representa o proletariado, nada há a temer.
Cria-se, então, a Oposição Operária, formada por trabalhadores revolucionários dá primeira hora, participantes das revoluções de 1905 e 1917 e da guerra civil. Ela denuncia a separação entre o Partido e as massas operárias, critica a direção única nas fábricas como produto do espírito burguês que não confia na força coletiva, reivindica a liberdade de crítica e critica a implantação do socialismo por via burocrática, por decretos da cúpula dirigente, e a redução da iniciativa das massas. A grande pergunta da Oposição Operária é: Realizaremos o socialismo pela ação dos trabalhadores ou por intermédio dos funcionários do Estado?
Isso tudo porque a cúpula dirigente “confia mais nos burocratas e nos técnicos do antigo regime do que na sã espontaneidade e criatividade proletária dos operários” (A. Kollontai, op. cit., p. 77).
Já em 1920 o proletariado russo tinha sido expropriado do controle dos meios de produção pelo Estado. A burocracia ocupava seu lugar na direção econômica (via economia de plano) e na direção política, por. mediação do Partido.
A essa expropriação econômica do proletariado alia-se a expropriação política: os sovietes (conselhos formados por unidades de produção ou concentrações urbanas), que desempenharam papel fundamental na tomada do poder pelo partido de Lênin, serão atrelados ao Estado, transformando-se, com os sindicatos, em “correias de transmissão” das ordens vindas de cima para baixo. Em outros termos, ao perderem sua autonomia, os sovietes desaparecem como representativos do Proletariado. Lênin e Trotsky criam algo original: uma república soviética sem sovietes!
5. A REBELIÃO DE KRONSTADT
A reação à expropriação política do poder da classe operária, substituído pelo poder do Partido e do Estado em seu nome, desencadeia, na Rússia, a Rebelião de Kronstadt (1921).
Kronstadt era uma base naval cujos marinheiros haviam participado das revoluções de 1905 e 1917 (o que foi motivo do filme de Eisenstein O encouraçado Potemkin), além de fornecer elementos para a guarda pessoal do palácio Smolni, sede do governo soviético.
Proclamam-se em rebelião contra o novo “Estado soviético”, reivindicando:
Resolução da Assembléia Geral da 1ª e 2ª Brigadas Marítimas (1º de março de 1921)
“Considerando que os sovietes (conselhos) atuais não exprimem mais a vontade dos trabalhadores urbanos e dos camponeses, é indispensável realizar imediatamente uma eleição com voto secreto. A campanha eleitoral deverá transcorrer livremente para que as massas operárias e camponesas sejam honestamente informadas.
1. Liberdade de palavra e de imprensa para os operários e camponeses, anarquistas (socialistas libertários) e socialistas de esquerda (ala esquerda do Partido Socialista Revolucionário, solidamente implantado no campesinato).
2. Convocação antes de 10-3-1921 de uma assembléia geral de operários, soldados vermelhos e marinheiros de Kronstadt e Petrogrado.
3. Libertação de todos os presos políticos socialistas, assim como dos operários e camponeses, soldados vermelhos e marinheiros encarcerados por participação em diversos movimentos populares
4. Eleição de uma comissão encarregada de examinar os casos dos aprisionados e internados em campos de concentração.
5. Supressão de todos os departamentos políticos (instrumentos de controle das instituições pelo Partido). Além do mais, nenhum partido deve ter o privilégio da propaganda ideológica, nem receber por ela nenhuma subvenção governamental. Em substituição a isso, propomos que sejam eleitos, em cada cidade ou vila, Comissões de Cultura e Educação subvencionadas pelo Estado.
6. Supressão imediata de todas as barreiras militares.
7. Distribuição de igual ração alimentar a todos os trabalhadores, exceção àqueles que exerçam trabalhos pesados.
8. Supressão dos destacamentos comunistas de choque em todas as seções militares, da milícia comunista nas usinas e nas minas. Se os destacamentos forem necessários, que sejam designados pelos soldados das seções militares; se guardas forem necessários, que sejam nomeados pelos próprios trabalhadores.” (Izvestia, de 3-3-1921, p. 16. Paris, Belibaste, 1969.)
A luta dos marinheiros era pelo restabelecimento do real poder dos sovietes. É o que se depreende do Izvestia de 6 de março de 1921, p. 29: “Ante os partidos, defendemos o poder dos sovietes. Queremos que sejam livremente eleitos os representantes do povo. Os sovietes pervertidos, confiscados pelo Partido Comunista, sempre se mostraram surdos às nossas necessidades e reivindicações”. Antes da tomada do poder, Lênin definia a palavra de ordem: “Todo poder aos sovietes”.
Os marinheiros denunciam que “a revolução de outubro foi feita para libertar os trabalhadores, porém estes estão mais escravizados que antes. A autoridade da monarquia policial foi substituída pelos usurpadores comunistas. Substituem a foice e o martelo pela baioneta. É a esse preço que a nova burocracia dos comissários e funcionários comunistas pretende assegurar-se uma vida tranqüila. Criticam a estatização dos sindicatos. Kronstadt representa uma nova ordem socialista em oposição à ordem comunista burocrática. Essa revolução é uma revolução do trabalho livre” (Izvestia, de 8-3-1926, p. 41-43).
Qual foi a reação dos líderes do “Estado socialista”? Além de denunciar os marinheiros de serem agentes do capitalismo internacional, dirigidos por ex-generais czaristas, Trotsky divulga a seguinte ordem pelo rádio:
“O governo dos operários e camponeses decidiu que Kronstadt e os navios insurretos devem submeter-se imediatamente à autoridade da República dos Sovietes.
Ordeno a todos que levantaram seu punho contra a pátria socialista a depor imediatamente as armas. Os rebeldes serão desarmados e enviados às autoridades soviéticas. Somente com a rendição incondicional poderão contar com a clemência da República Soviética.” (Izvestia, de 7-3-1921, p. 37.)
Sem permitir negociações, as tropas comandadas pelo ex-general czarista Tukhatchevski invadem e massacram os marinheiros de Kronstadt. Assim, o governo soviético, que havia expropriado economicamente o proletariado, submetendo-o ao administrador nomeado pelo Estado, expropriado politicamente ao reprimir Kronstadt: os sovietes e os sindicatos ficarão atrelados ao Estado, tanto sob Lênin quanto sob Stálin.
Revela-se aí uma característica central do bolchevismo: a impossibilidade de coexistir com qualquer movimento de base fundado na ação autônoma da classe operária. A repressão é a resposta bolchevique à autonomia da ação da classe trabalhadora.
6. MAKHNOVISTCHINA: UMA
REVOLUÇÃO NA REVOLUÇÃO
A impossibilidade de coexistência de ação autônoma da classe operária com o Estado bolchevique aparece com meridiana clareza na maneira como o governo bolchevique de “operários e camponeses” trata uma revolução na Ucrânia desenvolvida fora do controle do Partido Bolchevique, numa região predominantemente camponesa, visando abolir o capitalismo e substituí-lo pela autogestão social, com a eliminação do Estado como órgão acima da sociedade e fator de extorsão social.
Essa revolta, chamada Revolução Makhnovista - Nestor Makhno era um de seus líderes -, continuou a luta da Oposição Operária dirigida por Alexandra Kollontai e a dos marinheiros de Kronstadt: coletivização dos meios de produção e autogestão social, econômica e política exercida pelos trabalhadores por mediação de representantes livremente eleitos; negação de hierarquias salariais e sociais e de qualquer tipo de ditadura, mesmo a exercida em nome do proletariado porém sem o proletariado, a ditadura do Partido sacralizado.
Os bolcheviques tomaram o poder em novembro de 1917, porém no sul da Rússia somente o fariam em 1920. É que lá, na Ucrânia, havia sido vitoriosa a Makhnovistchina, movimento armado de camponeses organizados em milícias para garantir a democracia e realizar a autogestão social dos meios de produção e a abolição do salário, das classes e das hierarquias verticais.
Em março de 1917, Makhno reuniu em Gulai Pole, aldeia da Ucrânia, os militantes e lutadores pró-socialismo que lá deixara oito anos antes, quando condenado à prisão perpétua por atividade revolucionária. Fundou-se, então, a União dos Camponeses de Gulai Pole, para assegurar maiores contatos entre eles e opor-se resolutamente a Kerenski - que governou transitoriamente entre a queda do czar Nicolau II e a ascensão de Lênin -, firmando o princípio de que a “revolução dos trabalhadores do campo deve ser obra deles”, não admitindo que instituição alguma, seja sindicato, seja partido, fale por eles.
Realizou-se um congresso de trabalhadores do campo em Alexandrovska, perto de Gulai Pole, no qual os congressistas rejeitaram em bloco a legitimidade dos comitês comunais de coalizão sob o governo Kerenski, mantendo sob vigilância o Comitê Comunal de Gulai Pole. Foi o primeiro passo para desprestigiar o poder do Estado, abalando-o e substituindo-o pela auto-organização livre dos trabalhadores do campo. Esse congresso decidiu expropriar a terra dos latifundiários sem indenização, coletivizando-as imediatamente.
Em junho de 1917 deu-se a aliança operário-camponesa mediante a criação de uma união profissional entre os camponeses de Gulai Pole e os operários de Alexandrovska. Os camponeses de Gulai Pole tomaram para si a direção do Departamento Agrário e de Abastecimento, substituindo as autoridades estatais.
Efetuou-se o recenseamento das terras dos pometchiki (latifundiários) e dos kulaks (pequenos proprietários), organizando-se no Soviete de Operários e Camponeses um comitê dos batraki (empregados das fazendas), para estes lutarem organizadamente por seus interesses.
Em junho de 1917, os camponeses de Gulai Pole deixaram de pagar arrendamento de terras aos proprietários, e o soviete local proibiu o Comitê Comunal de tomar qualquer decisão de interesse público. A burguesia foi desarmada, sem oferecer resistência. E os soldados da guarnição de Alexandrovska e os trabalhadores das usinas lá instaladas prometeram apoio à ação dos camponeses de Gulai Pole.
Os camponeses de Gulai Pole também tomaram para si a expropriação das terras da Igreja Ortodoxa Russa, dos mosteiros e dos pometchiki, para cuidarem da semeadura. E, apesar das ameaças do Governo, Gulai Pole enviou delegações de camponeses a outras áreas para realizarem o mesmo.
Leon Schneider, eleito representante do Soviete dos Deputados e Camponeses de Gulai Pole junto ao Comitê Executivo Departamental de Ekaterinoslav, negociou com os metalúrgicos locais para que enviassem matéria-prima às forjas de Gulai Pole. Imediatamente as remessas começaram a chegar a seu destino.
O Congresso Regional de Comitês Agrários definiu quais propriedades dos pometchiki se tornariam comunas camponesas, reunindo famílias em grupos de 150 a 200 pessoas. O congresso cuidaria das semeaduras e dos trabalhos referentes à futura colheita, a primeira em comunas livres.
Enquanto isso, após a tomada do poder na Rússia pelo Partido Comunista a 17 de novembro de 1917, reuniu-se o Congresso Departamental dos Sovietes de Deputados Camponeses, em Ekaterinoslav. Gulai Pole enviou dois delegados: Nestor Makhno e Mironov. Em Gulai Pole havia vários poderes paralelos ao soviete: o de Kerenski, o da Rada (Governo Provisório da Ucrânia) etc., de tendências direitistas.
Formou-se uma frente única entre os marinheiros de Kronstadt o Soviete de Gulai Pole. Makhno, relatando a obra efetuada em Gulai Pole, consegue o apoio de um regimento de Cavaleiros de S. Jorge, que lá havia, contra a Rada, sinônimo de reacionarismo.
Enquanto o bolchevique Einstem discursava ante o Soviete de Gulai Pole proclamando a necessidade da formação de um novo “Estado Socialista” que trouxesse a felicidade a quem trabalha, os camponeses exercitavam-se no uso de armas, prevendo que o Partido tentaria impor sua autoridade de armas na mão.
Os camponeses ucranianos, sob a direção de Makhno, organizam uma luta contra a Rada, que ameaçava invadir toda a região e já lutava contra os bolcheviques nas cidades. Cossacos (soldados czaristas) vindos da frente alemã dispuseram-se a unir-se ao general Kaledine, chefe da contra-revolução.
Em Alexandrovska, Makhno se revolta em razão de os bolcheviques não terem libertado os presos políticos detidos por não reconhecerem o governo Kerenski. Os bolcheviques explicam que não o fizeram por temerem igualmente a revolta deles contra o seu poder, pois já haviam designado um presidente da Tcheka (polícia política). Compreendendo isso, Makhno liberta os presos com auxílio de sua coluna.
Escolhido para membro de uma comissão de inquérito, Makhno tomou conhecimento de numerosos processos a serem julgados. E, antes de abri-los, solicitou a presença dos detidos. Eram generais, coronéis, chefes da milícia da Rada, contra-revolucionários; não haviam, porém, sequer tomado armas contra os bolcheviques. Exigiu, então, que cada caso fosse julgado especificamente, rejeitando a idéia de fuzilar a todos indistintamente, para salvar aqueles que futuramente poderiam prestar-lhe serviços.
A esse propósito cumpre registrar as palavras de Makhno:
“Se eu aceitei o papel ingrato de membro da Comissão de Sindicância, foi para informar-me melhor e comunicar aos camponeses as preocupações dominantes entre os adeptos do comunismo de Estado e a maneira pela qual, nesses dias gloriosos de levante revolucionário, esses ‘defensores da igualdade e da liberdade’ abandonam seus princípios pelos privilégios do poder e também para adquirir certa prática da forma de conduzir-me nesse tipo de acontecimento”. (Makhno, La Révolution Russe en Ucranie; 1918-21, Paris, Belfond, 1970, p. 140.)
Enquanto as discussões provocadas pelos bolcheviques se eternizavam, Makhno fica sabendo que a Rada e os monarquistas se armavam e os cossacos estavam marchando rumo a Alexandrovska para unir-se às tropas de Kaledine. Gulai Pole envia uma comissão para negociar com eles, mas sem nenhum resultado.
Os cossacos atacam, mas são repelidos; pedem, então, a paz, abandonam suas armas e retornam a suas casas. Muitos ingressam no exército bolchevique.
O Comitê Revolucionário, constituído de bolcheviques, social-democratas (mencheviques) e libertários, intervém na vida dos trabalhadores de Gulai Pole, governando mediante severas ordens verbais ou escritas; lança um imposto sobre a cidade de 18 milhões de rublos, prende socialistas e pensa em criar o comissário de prisão.
Makhno nota que os bolcheviques e os socialistas revolucionários se apresentam mais burocráticos que revolucionários. Assim raciocina:
“Observando a ação deles (bolcheviques e socialistas revolucionários) em Alexandrovska, anteriormente nos congressos departamentais, onde constituíam a maioria, pressentia que a coesão desses partidos era uma ficção e mais cedo ou mais tarde um desses partidos absorveria ou devoraria brutalmente o outro, pois os dois são partidários do princípio do Estado e de sua autoridade sobre a comunidade livre dos trabalhadores”. (Makhno, op. cit., p. 154.)
Makhno se convence de que não era o povo que usufruía das liberdades mas sim os partidos políticos, e chegaria o dia em que o povo seria esmagado pela bota militar. Em suma, segundo Makhno, o povo ouve as decisões tomadas pelos partidos “nas cozinhas políticas de seus comitês centrais”.
Chegando a Gulai Pole, Makhno é eleito pelo soviete local presidente do Comitê Revolucionário, e sob sua direção o Conselho desarma o batalhão do Regimento 48 de Berdiansk acantonado em Orakhovo e constituído de partidários do general Kaledine e da
Rada. As armas são entregues ao exército de camponeses livres de Gulai Pole. Makhno vê como necessidade imperiosa armar os camponeses, ante a notícia de um tratado de paz de Lênin com os alemães e a Rada. Com aprovação unânime, o soviete local obtém letras dos diretores do banco em Gulai Pole, sacando 250 mil rublos para armar a população.
Iniciam-se as trocas diretas entre campo e cidade, os trabalhadores urbanos enviam tecidos e os camponeses, trigo e outros gêneros alimentícios. Com isso evidenciam-se a inutilidade dos burocratas do Estado e a vantagem das trocas diretas entre os produtores. É a proposta da sociedade igualitária e socialista que entra em ação sem delongas. Porém o governo bolchevique barra tais trocas, alegando estar sendo criada uma organização do Estado com essa função.
Em fevereiro e março de 1918 completa-se a coletivização das terras. Os ex-proprietários ficam com dois cavalos, duas vacas, uma charrua, uma semeadeira e uma ceifeira para seus serviços. Organizam-se as comunas coletivas. Criam-se armazéns gerais. Cria-se a cozinha comum, havendo liberdade, no entanto, de alguém cozinhar individualmente, se o preferir. Definem-se programas de trabalho. Criam-se escolas, fundadas no método libertário do espanhol Francisco Ferrer: a autodisciplina substituindo a disciplina imposta e educação sem prêmios ou castigos, vinculada ao estudo da natureza no local (ciências naturais) e ao trabalho.
“Enquanto isso, os adeptos do capitalismo de Estado enfrentam o problema: Como manter ante as massas a imagem de pioneiros e líderes da revolução e ao mesmo tempo desviá-la de sua luta autônoma e criativa e colocá-la a serviço do estatismo, decorrente das ordens e diretivas do Comitê Central do Partido e do Governo?” (Makhno, op. cit., p. 191.)
Makhno concluiu que na orientação imprimida à revolução pelo Partido Bolchevique não havia espaço nem para as comunidades agrárias autônomas, organizadas livremente pelos camponeses, nem para a transferência dos meios de produção para a mão dos trabalhadores.
O governo bolchevique, após assinar o tratado de paz de Brest-Litovsk (1918), retirou suas forças da Ucrânia, deixando-a entregue aos reacionários da Rada e ao exército germano-austríaco que ocupava a capital, Kiev, totalizando mais de 600 mil soldados.
Porém o exército camponês vence os ex-generais czaristas como Petliura e Denikin e susta o avanço alemão. Ao mesmo tempo, discutia-se em Moscou a maneira de se aniquilar a Makhnovistchina. A 10 de abril de 1919 reúne-se um congresso camponês para discutir a intervenção de membros da Tcheka em suas organizações. Dybenko, em nome do governo soviético e como comandante de divisão, declara esse congresso contra-revolucionário.
As milícias camponesas derrotam as tropas bolchevistas do general Wrangel, mas, ao voltarem da batalha pelo istmo de Perekop, foram dizimadas pelo Exército Vermelho, “em nome da revolução”.
7. O CAPITALISMO DE ESTADO
NA URSS
A profunda incompatibilidade entre a proposta socialista fundada na autonomia da ação da classe, de sua auto-organização e a proposta bolchevista, que, por meio da hegemonia do Partido, constrói o capitalismo de Estado,
A burocracia estatal soviética cumpriu o mesmo papel industrializante que a burguesia clássica cumprira no Ocidente. A URSS tornou-se uma grande potência e sua política corresponde a isso. Comparativamente, o nível de vida médio soviético é superior ao do período czarista.
Porém a burocracia soviética administra o Estado como uma -propriedade privada. A adoção do taylorismo nas fábricas, o papel disciplinador conferido aos sindicatos - o que levou à formação de uma oposição sindical, dirigida pelo metalúrgico Klebanov - e a manutenção do salariato conferem ao Estado russo o caráter de um capitalismo de Estado integral.
Nesse sentido, Stálin foi um perfeito continuador da obra de Lênin, e Trotsky, de início profeta armado, criador do Exército Vermelho e, depois, expulso da URSS (1920), converteu-se em profeta desarmado. Somente. após perder o poder é que Trotsky retoma o tema da democracia operária como reivindicação socialista.
É importante notar que, ao tornar-se a URSS grande potência, a III Internacional, que agrupava os PCs existentes, tornou-se mero instrumento da política externa soviética. Com os acordos da Conferência de Ialta, ao final da Segunda Guerra (1945), a URSS praticamente ocupou a Europa oriental. E, por mecanismos de integração econômica - como o Conselho Econômico de Assistência Mútua (Comecon), criado em 1949 - e de coordenação militar - como o Pacto de Varsóvia (1955) -, constituiu seu bloco de influência autodenominado Bloco Socialista.
Isolado da China e privado da adesão incondicional da Iugoslávia e Albânia, o Bloco Socialista agrupa 340 milhões de pessoas, cerca de 10% da população mundial. Daí a importância do Comecon como fator de agrupamento econômico e do Pacto de Varsóvia como fator de agrupamento político-militar dos países do Leste Europeu.
A hegemonia russa foi expressa claramente por Brejnev na “teoria da soberania limitada”. De um lado, proclama-se imune à crise do capitalismo ocidental; de outro, os países integrantes do Comecon fixarão seus preços anualmente, para “assumir uma melhor correlação com as condições do mercado mundial” (J. Bernardo, O Comecon e a crise mundial, Lisboa, Contra-a-Corrente, s.d., p. 2).
Os países socialistas integrantes do Comecon participam das trocas internacionais. Em 1960, o volume de trocas desses países atingia 20% do comércio externo, e em 1973 passou a 28% (J. Bernardo, op. cit., p. 3). Isso mostra a dependência dos países do Bloco Socialista em relação às flutuações econômicas internacionais.
Nas relações dos países do Bloco Socialista com a URSS ocorre uma troca desigual. Por exemplo, no caso da Hungria, enquanto esta, de 16 rublos passou a pagar 36 por tonelada de petróleo importado da URSS, o que significou um aumento de 131 %, os preços das máquinas que ela vendeu à URSS tiveram um aumento de apenas 33%.
A renda nacional dos países do Comecon cresceu 10% em 1955-60, hoje atinge 4%. Na Polônia, recessões sucessivas - 1956, 1962 e 1970 - levaram a reformas já superadas quando postas em prática e a uma abertura à tecnologia capitalista ocidental.
À inflação junta-se a penúria de bens de consumo, o que levou na Polônia, já em 1974, a grandes filas junto aos armazéns. Entre as causas da inflação estão o desequilíbrio nos investimentos, a incoerência no planejamento, o peso crescente de uma burocracia estatal cada vez maior e o aumento de despesas militares na URSS que atingem 10% do produto interno bruto (PIB).
Iugoslávia e Hungria abrem-se aos investimentos capitalistas.
A crise do capitalismo reflete-se no Leste Europeu. Daí as rebeliões de 1953 em Berlim, de 1956 na Hungria e de 1968 na Tchecoslováquia e os vários movimentos que conduziram à formação do sindicato Solidariedade na Polônia.
É uma reação do proletariado ao capitalismo estatal da URSS e dos dirigentes dos Estados socialistas do Leste Europeu.
Exemplificando mais claramente, enquanto as trocas com os países capitalistas ocidentais representavam 31 % do comércio externo da URSS, as com os países integrantes do Comecon representavam 54% e as com países em vias de desenvolvimento, 13%. “A Alemanha Federal vem à cabeça dos parceiros capitalistas da URSS, seguida do Japão, Finlândia, Itália, França, depois Grã-Bretanha e EUA” (J. Bernardo, op. cit., p. 17).
A eclosão da Revolução Russa de 1917, que levou o Partido Bolchevique (Partido Comunista Russo) ao poder, reuniu diferentes facções dos antigos partidos socialistas em Moscou, fundando-se em 1919 a III Internacional.
Pressentindo que a Internacional só poderia sê-lo nominalmente, pois que sua sede em Moscou a tornaria subordinada à política do Partido Comunista Russo, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo propuseram que a sede da mesma fosse em Berlim ou em outra cidade da Europa central.
É necessário situar que a tomada do poder pelo partido de Lênin (Partido Bolchevique) significou, antes de mais nada, a tentativa de colocar em prática um programa de oposição ao capitalismo privado. Também é importante considerar que a Revolução Russa enfrentou um período de guerra civil que durou anos e a intervenção de exércitos estrangeiros - alemães, ingleses, norte-americanos e tchecos -, auxiliados em algumas regiões por generais czaristas como Koltchak, Denikin, Wrangel, que queriam restabelecer o capitalismo privado.
É nessa conjuntura de guerra civil interna e invasão estrangeira que os dirigentes do PC russo procuram, antes de mais nada, vencer os invasores e ao mesmo tempo reorganizar a economia devastada. É quando Trotsky proclama o regime do “comunismo de guerra”. Os diretores de empresas industriais passariam a ser nomeados pelo Partido que detém o poder de Estado, e as unidades onde houve administração coletiva ou autogestionada deveriam subordinar-se à nova medida.
Paralelamente, Lênin introduz o taylorismo na URSS, significando, portanto, a volta à hierarquia nas fábricas, o planejamento restrito a um corpo de especialistas e a mão-de-obra realizando o que a cúpula técnica define como sendo os objetivos das empresas. Embora considerasse o taylorismo uma forma de organização do trabalho tipicamente capitalista, Lênin argumentava que o poder estava com o Partido e isso garantia a supremacia da classe operária no país. Assim, a técnica taylorista poderia ser colocada a serviço do proletariado.
Isso significou o fim dos comitês de fábrica e da autogestão nas empresas. A nova palavra de ordem de Trotsky era: trabalho, ordem e disciplina. Assim, já em 1920 das 2 051 empresas importantes, 1 783 estavam sob a direção de um administrador nomeado pelo Estado (Fonte: A. Kollontai, L’opposition ouvrière, Paris, Ed. du Seuil, 1944, p. 25).
Logicamente a primeira conquista da Revolução Russa, isto é, o controle dos meios e do ritmo de produção pelos próprios trabalhadores, tinha sido usurpada pelo Estado e pelo Partido que o dirigia.
Vinculado ao novo processo, o novo governo estabeleceu a “militarização do trabalho”, onde o salário passou a cumprir a mesma função que tem na economia capitalista clássica. Conforme Trotsky, “os salários, em dinheiro ou espécie, devem acompanhar o mais possível a produtividade do trabalho individual” (A. Kollontai, op. cit., p. 26). Os sindicatos converteram-se em disciplinadores da mão-de-obra, e Trotsky considerava que o mal da Rússia não era o excesso mas a insuficiência de burocracia.
As milícias operárias são integradas a uma estrutura nova que recebe o nome de Exército Vermelho, no qual ex-oficiais czaristas retomam a direção das tropas, mas sob controle do novo Estado. Restabelece-se a hierarquia - os diversos graus diferenciadores da titulação militar -, porém, na medida em que o Partido detém o poder e, segundo Lênin, representa o proletariado, nada há a temer.
Cria-se, então, a Oposição Operária, formada por trabalhadores revolucionários dá primeira hora, participantes das revoluções de 1905 e 1917 e da guerra civil. Ela denuncia a separação entre o Partido e as massas operárias, critica a direção única nas fábricas como produto do espírito burguês que não confia na força coletiva, reivindica a liberdade de crítica e critica a implantação do socialismo por via burocrática, por decretos da cúpula dirigente, e a redução da iniciativa das massas. A grande pergunta da Oposição Operária é: Realizaremos o socialismo pela ação dos trabalhadores ou por intermédio dos funcionários do Estado?
Isso tudo porque a cúpula dirigente “confia mais nos burocratas e nos técnicos do antigo regime do que na sã espontaneidade e criatividade proletária dos operários” (A. Kollontai, op. cit., p. 77).
Já em 1920 o proletariado russo tinha sido expropriado do controle dos meios de produção pelo Estado. A burocracia ocupava seu lugar na direção econômica (via economia de plano) e na direção política, por. mediação do Partido.
A essa expropriação econômica do proletariado alia-se a expropriação política: os sovietes (conselhos formados por unidades de produção ou concentrações urbanas), que desempenharam papel fundamental na tomada do poder pelo partido de Lênin, serão atrelados ao Estado, transformando-se, com os sindicatos, em “correias de transmissão” das ordens vindas de cima para baixo. Em outros termos, ao perderem sua autonomia, os sovietes desaparecem como representativos do Proletariado. Lênin e Trotsky criam algo original: uma república soviética sem sovietes!
5. A REBELIÃO DE KRONSTADT
A reação à expropriação política do poder da classe operária, substituído pelo poder do Partido e do Estado em seu nome, desencadeia, na Rússia, a Rebelião de Kronstadt (1921).
Kronstadt era uma base naval cujos marinheiros haviam participado das revoluções de 1905 e 1917 (o que foi motivo do filme de Eisenstein O encouraçado Potemkin), além de fornecer elementos para a guarda pessoal do palácio Smolni, sede do governo soviético.
Proclamam-se em rebelião contra o novo “Estado soviético”, reivindicando:
Resolução da Assembléia Geral da 1ª e 2ª Brigadas Marítimas (1º de março de 1921)
“Considerando que os sovietes (conselhos) atuais não exprimem mais a vontade dos trabalhadores urbanos e dos camponeses, é indispensável realizar imediatamente uma eleição com voto secreto. A campanha eleitoral deverá transcorrer livremente para que as massas operárias e camponesas sejam honestamente informadas.
1. Liberdade de palavra e de imprensa para os operários e camponeses, anarquistas (socialistas libertários) e socialistas de esquerda (ala esquerda do Partido Socialista Revolucionário, solidamente implantado no campesinato).
2. Convocação antes de 10-3-1921 de uma assembléia geral de operários, soldados vermelhos e marinheiros de Kronstadt e Petrogrado.
3. Libertação de todos os presos políticos socialistas, assim como dos operários e camponeses, soldados vermelhos e marinheiros encarcerados por participação em diversos movimentos populares
4. Eleição de uma comissão encarregada de examinar os casos dos aprisionados e internados em campos de concentração.
5. Supressão de todos os departamentos políticos (instrumentos de controle das instituições pelo Partido). Além do mais, nenhum partido deve ter o privilégio da propaganda ideológica, nem receber por ela nenhuma subvenção governamental. Em substituição a isso, propomos que sejam eleitos, em cada cidade ou vila, Comissões de Cultura e Educação subvencionadas pelo Estado.
6. Supressão imediata de todas as barreiras militares.
7. Distribuição de igual ração alimentar a todos os trabalhadores, exceção àqueles que exerçam trabalhos pesados.
8. Supressão dos destacamentos comunistas de choque em todas as seções militares, da milícia comunista nas usinas e nas minas. Se os destacamentos forem necessários, que sejam designados pelos soldados das seções militares; se guardas forem necessários, que sejam nomeados pelos próprios trabalhadores.” (Izvestia, de 3-3-1921, p. 16. Paris, Belibaste, 1969.)
A luta dos marinheiros era pelo restabelecimento do real poder dos sovietes. É o que se depreende do Izvestia de 6 de março de 1921, p. 29: “Ante os partidos, defendemos o poder dos sovietes. Queremos que sejam livremente eleitos os representantes do povo. Os sovietes pervertidos, confiscados pelo Partido Comunista, sempre se mostraram surdos às nossas necessidades e reivindicações”. Antes da tomada do poder, Lênin definia a palavra de ordem: “Todo poder aos sovietes”.
Os marinheiros denunciam que “a revolução de outubro foi feita para libertar os trabalhadores, porém estes estão mais escravizados que antes. A autoridade da monarquia policial foi substituída pelos usurpadores comunistas. Substituem a foice e o martelo pela baioneta. É a esse preço que a nova burocracia dos comissários e funcionários comunistas pretende assegurar-se uma vida tranqüila. Criticam a estatização dos sindicatos. Kronstadt representa uma nova ordem socialista em oposição à ordem comunista burocrática. Essa revolução é uma revolução do trabalho livre” (Izvestia, de 8-3-1926, p. 41-43).
Qual foi a reação dos líderes do “Estado socialista”? Além de denunciar os marinheiros de serem agentes do capitalismo internacional, dirigidos por ex-generais czaristas, Trotsky divulga a seguinte ordem pelo rádio:
“O governo dos operários e camponeses decidiu que Kronstadt e os navios insurretos devem submeter-se imediatamente à autoridade da República dos Sovietes.
Ordeno a todos que levantaram seu punho contra a pátria socialista a depor imediatamente as armas. Os rebeldes serão desarmados e enviados às autoridades soviéticas. Somente com a rendição incondicional poderão contar com a clemência da República Soviética.” (Izvestia, de 7-3-1921, p. 37.)
Sem permitir negociações, as tropas comandadas pelo ex-general czarista Tukhatchevski invadem e massacram os marinheiros de Kronstadt. Assim, o governo soviético, que havia expropriado economicamente o proletariado, submetendo-o ao administrador nomeado pelo Estado, expropriado politicamente ao reprimir Kronstadt: os sovietes e os sindicatos ficarão atrelados ao Estado, tanto sob Lênin quanto sob Stálin.
Revela-se aí uma característica central do bolchevismo: a impossibilidade de coexistir com qualquer movimento de base fundado na ação autônoma da classe operária. A repressão é a resposta bolchevique à autonomia da ação da classe trabalhadora.
6. MAKHNOVISTCHINA: UMA
REVOLUÇÃO NA REVOLUÇÃO
A impossibilidade de coexistência de ação autônoma da classe operária com o Estado bolchevique aparece com meridiana clareza na maneira como o governo bolchevique de “operários e camponeses” trata uma revolução na Ucrânia desenvolvida fora do controle do Partido Bolchevique, numa região predominantemente camponesa, visando abolir o capitalismo e substituí-lo pela autogestão social, com a eliminação do Estado como órgão acima da sociedade e fator de extorsão social.
Essa revolta, chamada Revolução Makhnovista - Nestor Makhno era um de seus líderes -, continuou a luta da Oposição Operária dirigida por Alexandra Kollontai e a dos marinheiros de Kronstadt: coletivização dos meios de produção e autogestão social, econômica e política exercida pelos trabalhadores por mediação de representantes livremente eleitos; negação de hierarquias salariais e sociais e de qualquer tipo de ditadura, mesmo a exercida em nome do proletariado porém sem o proletariado, a ditadura do Partido sacralizado.
Os bolcheviques tomaram o poder em novembro de 1917, porém no sul da Rússia somente o fariam em 1920. É que lá, na Ucrânia, havia sido vitoriosa a Makhnovistchina, movimento armado de camponeses organizados em milícias para garantir a democracia e realizar a autogestão social dos meios de produção e a abolição do salário, das classes e das hierarquias verticais.
Em março de 1917, Makhno reuniu em Gulai Pole, aldeia da Ucrânia, os militantes e lutadores pró-socialismo que lá deixara oito anos antes, quando condenado à prisão perpétua por atividade revolucionária. Fundou-se, então, a União dos Camponeses de Gulai Pole, para assegurar maiores contatos entre eles e opor-se resolutamente a Kerenski - que governou transitoriamente entre a queda do czar Nicolau II e a ascensão de Lênin -, firmando o princípio de que a “revolução dos trabalhadores do campo deve ser obra deles”, não admitindo que instituição alguma, seja sindicato, seja partido, fale por eles.
Realizou-se um congresso de trabalhadores do campo em Alexandrovska, perto de Gulai Pole, no qual os congressistas rejeitaram em bloco a legitimidade dos comitês comunais de coalizão sob o governo Kerenski, mantendo sob vigilância o Comitê Comunal de Gulai Pole. Foi o primeiro passo para desprestigiar o poder do Estado, abalando-o e substituindo-o pela auto-organização livre dos trabalhadores do campo. Esse congresso decidiu expropriar a terra dos latifundiários sem indenização, coletivizando-as imediatamente.
Em junho de 1917 deu-se a aliança operário-camponesa mediante a criação de uma união profissional entre os camponeses de Gulai Pole e os operários de Alexandrovska. Os camponeses de Gulai Pole tomaram para si a direção do Departamento Agrário e de Abastecimento, substituindo as autoridades estatais.
Efetuou-se o recenseamento das terras dos pometchiki (latifundiários) e dos kulaks (pequenos proprietários), organizando-se no Soviete de Operários e Camponeses um comitê dos batraki (empregados das fazendas), para estes lutarem organizadamente por seus interesses.
Em junho de 1917, os camponeses de Gulai Pole deixaram de pagar arrendamento de terras aos proprietários, e o soviete local proibiu o Comitê Comunal de tomar qualquer decisão de interesse público. A burguesia foi desarmada, sem oferecer resistência. E os soldados da guarnição de Alexandrovska e os trabalhadores das usinas lá instaladas prometeram apoio à ação dos camponeses de Gulai Pole.
Os camponeses de Gulai Pole também tomaram para si a expropriação das terras da Igreja Ortodoxa Russa, dos mosteiros e dos pometchiki, para cuidarem da semeadura. E, apesar das ameaças do Governo, Gulai Pole enviou delegações de camponeses a outras áreas para realizarem o mesmo.
Leon Schneider, eleito representante do Soviete dos Deputados e Camponeses de Gulai Pole junto ao Comitê Executivo Departamental de Ekaterinoslav, negociou com os metalúrgicos locais para que enviassem matéria-prima às forjas de Gulai Pole. Imediatamente as remessas começaram a chegar a seu destino.
O Congresso Regional de Comitês Agrários definiu quais propriedades dos pometchiki se tornariam comunas camponesas, reunindo famílias em grupos de 150 a 200 pessoas. O congresso cuidaria das semeaduras e dos trabalhos referentes à futura colheita, a primeira em comunas livres.
Enquanto isso, após a tomada do poder na Rússia pelo Partido Comunista a 17 de novembro de 1917, reuniu-se o Congresso Departamental dos Sovietes de Deputados Camponeses, em Ekaterinoslav. Gulai Pole enviou dois delegados: Nestor Makhno e Mironov. Em Gulai Pole havia vários poderes paralelos ao soviete: o de Kerenski, o da Rada (Governo Provisório da Ucrânia) etc., de tendências direitistas.
Formou-se uma frente única entre os marinheiros de Kronstadt o Soviete de Gulai Pole. Makhno, relatando a obra efetuada em Gulai Pole, consegue o apoio de um regimento de Cavaleiros de S. Jorge, que lá havia, contra a Rada, sinônimo de reacionarismo.
Enquanto o bolchevique Einstem discursava ante o Soviete de Gulai Pole proclamando a necessidade da formação de um novo “Estado Socialista” que trouxesse a felicidade a quem trabalha, os camponeses exercitavam-se no uso de armas, prevendo que o Partido tentaria impor sua autoridade de armas na mão.
Os camponeses ucranianos, sob a direção de Makhno, organizam uma luta contra a Rada, que ameaçava invadir toda a região e já lutava contra os bolcheviques nas cidades. Cossacos (soldados czaristas) vindos da frente alemã dispuseram-se a unir-se ao general Kaledine, chefe da contra-revolução.
Em Alexandrovska, Makhno se revolta em razão de os bolcheviques não terem libertado os presos políticos detidos por não reconhecerem o governo Kerenski. Os bolcheviques explicam que não o fizeram por temerem igualmente a revolta deles contra o seu poder, pois já haviam designado um presidente da Tcheka (polícia política). Compreendendo isso, Makhno liberta os presos com auxílio de sua coluna.
Escolhido para membro de uma comissão de inquérito, Makhno tomou conhecimento de numerosos processos a serem julgados. E, antes de abri-los, solicitou a presença dos detidos. Eram generais, coronéis, chefes da milícia da Rada, contra-revolucionários; não haviam, porém, sequer tomado armas contra os bolcheviques. Exigiu, então, que cada caso fosse julgado especificamente, rejeitando a idéia de fuzilar a todos indistintamente, para salvar aqueles que futuramente poderiam prestar-lhe serviços.
A esse propósito cumpre registrar as palavras de Makhno:
“Se eu aceitei o papel ingrato de membro da Comissão de Sindicância, foi para informar-me melhor e comunicar aos camponeses as preocupações dominantes entre os adeptos do comunismo de Estado e a maneira pela qual, nesses dias gloriosos de levante revolucionário, esses ‘defensores da igualdade e da liberdade’ abandonam seus princípios pelos privilégios do poder e também para adquirir certa prática da forma de conduzir-me nesse tipo de acontecimento”. (Makhno, La Révolution Russe en Ucranie; 1918-21, Paris, Belfond, 1970, p. 140.)
Enquanto as discussões provocadas pelos bolcheviques se eternizavam, Makhno fica sabendo que a Rada e os monarquistas se armavam e os cossacos estavam marchando rumo a Alexandrovska para unir-se às tropas de Kaledine. Gulai Pole envia uma comissão para negociar com eles, mas sem nenhum resultado.
Os cossacos atacam, mas são repelidos; pedem, então, a paz, abandonam suas armas e retornam a suas casas. Muitos ingressam no exército bolchevique.
O Comitê Revolucionário, constituído de bolcheviques, social-democratas (mencheviques) e libertários, intervém na vida dos trabalhadores de Gulai Pole, governando mediante severas ordens verbais ou escritas; lança um imposto sobre a cidade de 18 milhões de rublos, prende socialistas e pensa em criar o comissário de prisão.
Makhno nota que os bolcheviques e os socialistas revolucionários se apresentam mais burocráticos que revolucionários. Assim raciocina:
“Observando a ação deles (bolcheviques e socialistas revolucionários) em Alexandrovska, anteriormente nos congressos departamentais, onde constituíam a maioria, pressentia que a coesão desses partidos era uma ficção e mais cedo ou mais tarde um desses partidos absorveria ou devoraria brutalmente o outro, pois os dois são partidários do princípio do Estado e de sua autoridade sobre a comunidade livre dos trabalhadores”. (Makhno, op. cit., p. 154.)
Makhno se convence de que não era o povo que usufruía das liberdades mas sim os partidos políticos, e chegaria o dia em que o povo seria esmagado pela bota militar. Em suma, segundo Makhno, o povo ouve as decisões tomadas pelos partidos “nas cozinhas políticas de seus comitês centrais”.
Chegando a Gulai Pole, Makhno é eleito pelo soviete local presidente do Comitê Revolucionário, e sob sua direção o Conselho desarma o batalhão do Regimento 48 de Berdiansk acantonado em Orakhovo e constituído de partidários do general Kaledine e da
Rada. As armas são entregues ao exército de camponeses livres de Gulai Pole. Makhno vê como necessidade imperiosa armar os camponeses, ante a notícia de um tratado de paz de Lênin com os alemães e a Rada. Com aprovação unânime, o soviete local obtém letras dos diretores do banco em Gulai Pole, sacando 250 mil rublos para armar a população.
Iniciam-se as trocas diretas entre campo e cidade, os trabalhadores urbanos enviam tecidos e os camponeses, trigo e outros gêneros alimentícios. Com isso evidenciam-se a inutilidade dos burocratas do Estado e a vantagem das trocas diretas entre os produtores. É a proposta da sociedade igualitária e socialista que entra em ação sem delongas. Porém o governo bolchevique barra tais trocas, alegando estar sendo criada uma organização do Estado com essa função.
Em fevereiro e março de 1918 completa-se a coletivização das terras. Os ex-proprietários ficam com dois cavalos, duas vacas, uma charrua, uma semeadeira e uma ceifeira para seus serviços. Organizam-se as comunas coletivas. Criam-se armazéns gerais. Cria-se a cozinha comum, havendo liberdade, no entanto, de alguém cozinhar individualmente, se o preferir. Definem-se programas de trabalho. Criam-se escolas, fundadas no método libertário do espanhol Francisco Ferrer: a autodisciplina substituindo a disciplina imposta e educação sem prêmios ou castigos, vinculada ao estudo da natureza no local (ciências naturais) e ao trabalho.
“Enquanto isso, os adeptos do capitalismo de Estado enfrentam o problema: Como manter ante as massas a imagem de pioneiros e líderes da revolução e ao mesmo tempo desviá-la de sua luta autônoma e criativa e colocá-la a serviço do estatismo, decorrente das ordens e diretivas do Comitê Central do Partido e do Governo?” (Makhno, op. cit., p. 191.)
Makhno concluiu que na orientação imprimida à revolução pelo Partido Bolchevique não havia espaço nem para as comunidades agrárias autônomas, organizadas livremente pelos camponeses, nem para a transferência dos meios de produção para a mão dos trabalhadores.
O governo bolchevique, após assinar o tratado de paz de Brest-Litovsk (1918), retirou suas forças da Ucrânia, deixando-a entregue aos reacionários da Rada e ao exército germano-austríaco que ocupava a capital, Kiev, totalizando mais de 600 mil soldados.
Porém o exército camponês vence os ex-generais czaristas como Petliura e Denikin e susta o avanço alemão. Ao mesmo tempo, discutia-se em Moscou a maneira de se aniquilar a Makhnovistchina. A 10 de abril de 1919 reúne-se um congresso camponês para discutir a intervenção de membros da Tcheka em suas organizações. Dybenko, em nome do governo soviético e como comandante de divisão, declara esse congresso contra-revolucionário.
As milícias camponesas derrotam as tropas bolchevistas do general Wrangel, mas, ao voltarem da batalha pelo istmo de Perekop, foram dizimadas pelo Exército Vermelho, “em nome da revolução”.
7. O CAPITALISMO DE ESTADO
NA URSS
A profunda incompatibilidade entre a proposta socialista fundada na autonomia da ação da classe, de sua auto-organização e a proposta bolchevista, que, por meio da hegemonia do Partido, constrói o capitalismo de Estado,
A burocracia estatal soviética cumpriu o mesmo papel industrializante que a burguesia clássica cumprira no Ocidente. A URSS tornou-se uma grande potência e sua política corresponde a isso. Comparativamente, o nível de vida médio soviético é superior ao do período czarista.
Porém a burocracia soviética administra o Estado como uma -propriedade privada. A adoção do taylorismo nas fábricas, o papel disciplinador conferido aos sindicatos - o que levou à formação de uma oposição sindical, dirigida pelo metalúrgico Klebanov - e a manutenção do salariato conferem ao Estado russo o caráter de um capitalismo de Estado integral.
Nesse sentido, Stálin foi um perfeito continuador da obra de Lênin, e Trotsky, de início profeta armado, criador do Exército Vermelho e, depois, expulso da URSS (1920), converteu-se em profeta desarmado. Somente. após perder o poder é que Trotsky retoma o tema da democracia operária como reivindicação socialista.
É importante notar que, ao tornar-se a URSS grande potência, a III Internacional, que agrupava os PCs existentes, tornou-se mero instrumento da política externa soviética. Com os acordos da Conferência de Ialta, ao final da Segunda Guerra (1945), a URSS praticamente ocupou a Europa oriental. E, por mecanismos de integração econômica - como o Conselho Econômico de Assistência Mútua (Comecon), criado em 1949 - e de coordenação militar - como o Pacto de Varsóvia (1955) -, constituiu seu bloco de influência autodenominado Bloco Socialista.
Isolado da China e privado da adesão incondicional da Iugoslávia e Albânia, o Bloco Socialista agrupa 340 milhões de pessoas, cerca de 10% da população mundial. Daí a importância do Comecon como fator de agrupamento econômico e do Pacto de Varsóvia como fator de agrupamento político-militar dos países do Leste Europeu.
A hegemonia russa foi expressa claramente por Brejnev na “teoria da soberania limitada”. De um lado, proclama-se imune à crise do capitalismo ocidental; de outro, os países integrantes do Comecon fixarão seus preços anualmente, para “assumir uma melhor correlação com as condições do mercado mundial” (J. Bernardo, O Comecon e a crise mundial, Lisboa, Contra-a-Corrente, s.d., p. 2).
Os países socialistas integrantes do Comecon participam das trocas internacionais. Em 1960, o volume de trocas desses países atingia 20% do comércio externo, e em 1973 passou a 28% (J. Bernardo, op. cit., p. 3). Isso mostra a dependência dos países do Bloco Socialista em relação às flutuações econômicas internacionais.
Nas relações dos países do Bloco Socialista com a URSS ocorre uma troca desigual. Por exemplo, no caso da Hungria, enquanto esta, de 16 rublos passou a pagar 36 por tonelada de petróleo importado da URSS, o que significou um aumento de 131 %, os preços das máquinas que ela vendeu à URSS tiveram um aumento de apenas 33%.
A renda nacional dos países do Comecon cresceu 10% em 1955-60, hoje atinge 4%. Na Polônia, recessões sucessivas - 1956, 1962 e 1970 - levaram a reformas já superadas quando postas em prática e a uma abertura à tecnologia capitalista ocidental.
À inflação junta-se a penúria de bens de consumo, o que levou na Polônia, já em 1974, a grandes filas junto aos armazéns. Entre as causas da inflação estão o desequilíbrio nos investimentos, a incoerência no planejamento, o peso crescente de uma burocracia estatal cada vez maior e o aumento de despesas militares na URSS que atingem 10% do produto interno bruto (PIB).
Iugoslávia e Hungria abrem-se aos investimentos capitalistas.
A crise do capitalismo reflete-se no Leste Europeu. Daí as rebeliões de 1953 em Berlim, de 1956 na Hungria e de 1968 na Tchecoslováquia e os vários movimentos que conduziram à formação do sindicato Solidariedade na Polônia.
É uma reação do proletariado ao capitalismo estatal da URSS e dos dirigentes dos Estados socialistas do Leste Europeu.
Exemplificando mais claramente, enquanto as trocas com os países capitalistas ocidentais representavam 31 % do comércio externo da URSS, as com os países integrantes do Comecon representavam 54% e as com países em vias de desenvolvimento, 13%. “A Alemanha Federal vem à cabeça dos parceiros capitalistas da URSS, seguida do Japão, Finlândia, Itália, França, depois Grã-Bretanha e EUA” (J. Bernardo, op. cit., p. 17).
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MAURÍCIO TRAGTENBERG
A contribuição de Freud para o esclarecimentodo fenômeno político
Pro-Posiçães, v. 16, n. 2 (47) - maio/ago. 2005
Não pretendemos abordar as relações entre Psicanálise e Política, mas a contribuição
de Freud para o esclarecimento do fenômeno político. Isso significa
limitarmo-nos a seu universo discursivo, sem ampliar a análise do político, abrangendo
as várias correntes psicanalíticas, de Reich a Adorno, de Guatari a Lacan. A
volta de Freud significa a preocupação em compreender a sua contribuição específica
ao estudo do fenômeno político, sua pertinência e atualidade.
Durante mais ou menos um século, o estudo do "político" centrou-se nas instituições.
Fourier esperava que, através delas, o vício individual se transformasse
em virtude social.
A preocupação de Freud com o "social" se acentua após o impacto da Primeira
Guerra Mundial. Nos seus dois ensaios a respeito, um escrito em 1915 e outro em
]922, procurou ele mostrar a hipocrisia da sociedade moderna, a coerção social
funcionando e o caráter primário das tendências agressivas. Impressionado, como
Max Weber, com o empobrecimento da vida, ele valoriza, inicialmente, a guerra
como alternativa ao conceito convencional de morte, porém, a guerra condicionou
seu interesse no estudo da agressão, como o câncer que o vitimaria, levou-o a
aprofundar o conceito de "instinto de morte".
Admitindo que o nosso inconsciente mata, mesmo por motivos insignificantes,
vê na eclosão da guerra uma prova disso. Os homens não desceram tão baixo
por ocasião da guerra, dizia ele, porque nunca estiveram tão alto como pensavam
achar-se. Assim, o homem renuncia a seus instintos agressivos substituindo-os
pelas agressões estatais, o Estado proíbe ao indivíduo infrações, não porque queira
aboli-Ias, mas sim, para monopolizá-Ias.
A autenticidade e espontaneidade podem andar vinculadas ao instinto de morte.
Pode a pessoa "autenticamente" matar alguém e "espontaneamente" apertar o botão
I. (N. do E.) Texto publicado, em 22 de setembro de 1979, no jornal Folhada Tarde, p. 5.
A obra completa de Maurício Tragtenberg está sendo preparada para publicação, na íntegra, pela
Editora da Unesp. Já estão em circulação os dois primeiros volumes.
Este fragmento é uma reprodução autorizada.
(pg)243
que desl,eja centenas de bombas, espalhando a morte. Embora admitisse, no seu
primeiro ensaio sobre a guerra, que a mesma jamais poderia ser abolida, no segundo
ensaio, admite a existência de soluções culturais; sugere a existência de uma
autoridade universal para julgar os conflitos de interesse entre as nações.
A sua admissão da existência de uma agressividade "inatà' não o impediu de
considerar os meios indiretos de satisfação. O ódio básico, em Freud, é fundido
com as tendências sociais na medida em que o indivíduo amadurece.
Hobbes e Freud
Como Burke, admite Freud a positividade das restrições sociais que nos livram
da escravidão às paixões.
Enquanto, para Hobbes, o homem natural é egoísta, em Freud também o é,
com a diferença de que ele tem necessidade social. Enquanto, para Hobbes, o
homem segue a lei da astúcia e da força, Freud reconhece a sua existência, porém,
afirma, concomitantemente, a existência do amor e da autoridade, daí, a
ambivalência. A figura do contrato social, em Hobbes, Locke e Rousseau, era para
explicar a legitimidade original da sociedade capitalista. Para Hobbes, o pacto
social funda-se na existência do medo, que torna o homem prudente.
Para Freud, a sociedade política corresponde ao desejo irracional do homem em
restaurar a autoridade; com a morte do pai primitivo, surge no homem a "nostalgia
do pai". Para ele, o governo não surge de um contrato social, mas, de uma resposta
contra-revolucionária, que emerge após a queda do governo patriarcal e representa
o desejo majoritário dos cidadãos-irmãos, não é uma manifestação de prudência do
grupo. Os mitos do contrato social, no universo psicanalítico, podem ser vistos
como reafirmação da vontade do pai acima dos impulsos rebeldes dos filhos.
O contrato social, na medida em que significa o ingresso da sociedade na
organização política histórica, representa a aceitação da derrota da maioria, eis
que, mediante a restrição exogâmica de novas conquistas sociais, ninguém pode
alcançar outra vez o supremo poder do pai, embora todos tivessem lutado para
isso. Na forma de horda, família ou governo, para Freud, o que existe é o controle
da liberdade de ação. A existência da lei mostra a força dos desejos ocultos, a
existência de uma necessidade interna, que a consciência desconhece. Daí Freud
reconhecer que o desejo funda a necessidade da lei. O caráter complexo dos desejos
explica a complexidade das interdições sociais.
As proibições
Freud relaciona as proibições auto-impostas, mediante as quais os neuróticos
controlam os impulsos proibidos com as complicações rituais, mediante as quais
(pg)244
os povos primitivos se defendem da "desordem", os sentimentos libertários que
possam surgir originam auto-controles compensadores, e esses, por sua vez, a renúncia
a uma posse ou liberdade entendida como repressão e objetivada como
tabu ou lei. A ambivalência, o tabu significam a existência de uma dialética que
oscila entre repressão e rebelião; essa leva a nova repressão. A luta entre a lei e o
impulso só pode ser sintetizada pelo "ego". A liberdade procurada é a liberdade
para se tornar um amo. Os impulsos conscientes de rebelião, para Freud, originam-
se na inveja. O desejo de poder é contagiante, todos querem ser reis. O
excessivo respeito, a cortesia e as regras estritas de etiqueta em relação ao "chefe"
são derivadas do "medo de tocar" do primitivo, segundo Freud, medo de contatar
pessoas pelas quais sente hostilidade inconsciente, sejam chefes, mortos ou recémnascidos.
Para ele, todos os gestos de submissão são ambivalentes, daí o respeito e
o afeto esconderem hostilidade inconsciente. Freud venera quem estabelece regras
como Moisés e simpatiza com quem as contraria, como Ricardo 111.Todos nós
sofremos alguma ferida narcisista, daí nossa simpatia para com ele.
Ao produzir PsicologiadasMassaseAnálise do Eu, Freud estava abandonando o
evolucionismo linear de Totem e 1àbu e a preocupação pelas origens pré-históricas
cedia lugar à análise contemporânea. Essa preocupação transparece no seu texto
Novas Contribuiçõesà Psicanálise,onde relata seu conhecimento da obra de Marx.
Embora reconhecendo que as pesquisas de Marx sobre a estrutura econômica da
sociedade e a influência das distintas formas de economia sobre a vida humana
impuseram-se com indiscutível autoridade, mantém seu ponto de vista, segundo
o qual as diferenças sociais se originaram por diferenças raciais. Assim, para Freud,
fatores psicológicos, como o excesso de tendências agressivas constitucionais, a
coerência organizatória da horda e a posse das armas, decidiram a vitória; os vencedores
se transformaram em senhores e os vencidos em escravos; isso exclui o
do(nínio exclusivo dos fatores econômicos. Na sua crítica a Marx, partia ele do
conceito de ato econômico como "ato puro", difundido pela Escola Clássica.
Freud não só se preocupava com a herança de Marx, como, também, com o
fenômeno da ascensão das massas após a revolução industrial, para tanto, fundado
em Gustavo Le Bom, a quem corrigia em algumas particularidades, procurava
estudar as vinculações da massa com o líder. Para Freud, a relação política básica
consistia numa relação erótica, da massa com a autoridade. Para ele, a autoridade
sempre existe personificada. A horda supõe um chefe, o hipnotizado, um
hipnotizador, o amor, um objeto, a massa, um líder. Para ele a condição de líder
exige que este se aparte de seus subordinados e, ao mesmo tempo, evite que eles o
abandonem. O líder atua como um "centro" para organizar vidas que procuram
um sentido. Porém, situações de pânico e desorganização social podem levar a
massa a reorientar-se em torno de novos líderes. Para Freud, o líder toma a forma
de pai perseguidor, como o pai primitivo, ou perseguido, como Cristo. O líder
(pg)245
aparece como figura segura de si, com poucos vínculos libidinosos: a sua vontade
é reforçada pela dos outros. Freud vê toda a atividade política, sem distinção,
como influenciada pela autoridade. Segundo Freud, isso dá um sentido permanente
às manifestações de autoridade.
A psicologia
Sua psicologia tem implicações conservadoras no caso. Assim, na História não
há acontecimentos qualitativamente diferenciados. O líder na figura de pai e seus
seguidores, enquanto filhos, tornam a luta política uma luta geracional. Na
ambivalência, as mudanças sociais se tornam recorrências e as relações sociais só
têm sentido pelas necessidades psicológicasque preenchem. A crítica social é desvalorizada,
na medida em que é vista como manifestação da ambivalência geral
das emoções. A desconfiança dos governados ante o poder não se dá por uma
visão nacional de suas vitórias e fracassos, mas como expressão de sentimentos
hostis. Freud vincula o fenômeno político aos delírios paranóicos, no exagero da
importância de uma pessoa. Partir da participação libidinal é, para ele, decifrar a
genética do poder. Totem e 7àbu e Psicologiadas Massas mantém uma visão liberal
clássica: o indivíduo ante o Estado, sem ninguém como permeio, nenhum grupo
intermediário. Para Freud, o governante tem verdadeiro poder mediante atribuição
ilusória de seus partidários.
A imagem freudiana do pai, como modelo de autoridade, vincula-se diretamente
à idéia que, na sociedade ocidental, qualquer tipo de autoridade está submetido
a pressões e crises. A atitude psicanalítica reforça o distanciamento à crítica
do conceito de legitimidade, muito desenvolvida nas ciências sociais.
Para ele, a esferapolítica opera como extensão da esfera particular, a veneração
exagerada ao homem público é vista como recorrência da adoração do filho pelo
pai. Quanto mais carente de atenção e afeto, nas relaçõespessoais,tanto mais tende
a personalidade a "externalizar-se" à esfera pública, nessa procura de aceitação,
amor e cumplicidade. Não é possível o fanatismo na política, quando o partidário
reconhece no seu líder o deslocamento da imagem paterna, da mesma forma como
o crente fraqueja quando analisa sua conduta religiosa com destino à ilusão. Freud
realiza uma crítica da política na medida a que vincula neurose e poder, sintetizados
em Ricardo 111.Freud colocou em xeque o exercício "livre" da cidadania, na
medida em que descobriu o quanto de "irracional" esconde a conduta do chamado
cidadão médio.
o conselho de Laswell
Isso levou um politicólogo psicanalítico, Laswell, a aconselhar o liberalismo medicinal,
vinculando o exercício da liderança democrática à saúde e não à doença.
(pg)246
Visualizar o fenômeno político como externalização da esfera individual, em
sua dimensão subjetiva, e tendo como fundamento a ansiedade, pode levar a negar
a situação política objetiva. Da mesma forma o protesto social, na visão psicanalítico-
política, pode ser visto como sintoma neurótico, abrindo espaço à Psiquiatria
considerar a sociedade conforme as malhas do modelo médico mais
autoritário: o modelo hospitalar clássico.
Ao rechaçar o maniqueísmo ingênuo, que consiste em rotular como "boa" ou
"má" tal ou qual política, a Psicanálise vincula como "soluções dramatizadas" de
uma temática que tem a sua gênese na vida pessoal.
O governante tem o verdadeiro poder mediante a atribuição ilusória de seus
partidários.
A imagem freudiana do pai, como modelo de autoridade, vincula-se diretamente
com a idéia de que na sociedade ocidental qualquer tipo de autoridade será
submetido a crises.
A atitude psicanalítica reforça o distanciamento ante a autoridade. Freud agrega
a contribuição da análise psicanalítica à crítica do conceito de legitimidade, já
muito desenvolvida nas ciências sociais. Para Freud, a dimensão política é uma
extensão da esfera privada; assim, a veneração exagerada ante o homem público é
uma recorrência da adoração do filho pelo pai. Freud considera a personalidade
pública como um carente de atenção e afeto ou deferência, derivado das relações
pessoaIs.
Dessa forma, não é possível o fanatismo na política, quando o partidário reconhece,
no seu líder, o deslocamento da imagem paterna; o crente, a fraqueza,
quando analisa sua conduta religiosa, endereçada à ilusão. No fundo, Freud realiza
uma crítica da política, na medida em que, fundado em Ricardo 111,vê no
homem que exerce o poder um neurótico. Por outro lado, funciona o mecanismo
de identificação, daí as dinastias de poder dos Roosevelt aos Kennedy. A psicanálise
colocou em xeque o exercício "livre" da cidadania, na medida em que descobriu
o muito de "irracional" na conduta do cidadão médio, daí, um político; logo,
como Laswell aconselhar um liberalismo medicinal.
A grande receptividade da Psicanálise nos EUA consistiu no fato de ela postular
a vinculação das idéias de mudança social à conduta neurótica, assim, revolucionário,
seria aquele que estivesse em rebelião contra o seu pai. O público e o
aspecto social mascaram "conteúdos latentes", as ideologias revolucionárias seriam
"racionali~ações" de complexos edípicos.
Como confidente das fantasias e desejos do homem, Freud aprova o caráter
repressivo da sociedade. Enquanto sugere uma atitude conciliadorada mesma ante
os instintos, admite que seus interesses conflitam com o indivíduo. Assim, a debilidade,
credulidade e passividade das massas é acompanhada pela aquisição de
(pg)247
l
poder pelos líderes políticos. Segundo Freud, por natureza, os homens são incapazes
de esforço contínuo, de um trabalho regular e planejado, porém só ele é fonte
de independência e maturidade.
Isso é privilégio de algumas minorias, daí não esconder Freud a sua admiração
pelas minorias que sabem o que querem. Na sua Novas Contribuiçõesà Psicandlise,
ele imagina a existência de um pequeno grupo de homens de ação, imbatíveis em
suas convicções e impermeáveis à dúvida e ao sofrimento como condição de regeneração
social. No mesmo estilo, em carta a Einstein imagina ele uma espécie de
República Platônica, cujos governantes se constituam como comunidade subordinando
sua vida instintiva à ditadura da razão.
Para Freud o homem se compõe de uma estrutura instintiva básica, daí tentativas
de supressão da opressão política, para ele, resultariam na troca de um
autoritarismo por outro. Embora admita que a massa possua qualidades éticas
acima da norma, isso não basta para redimi-la do fato de que, o calor do
companheirismo entre seus pares anule a racionalidade do comportamento. Na
medida em que a sociedade mantém sua coesão graças ao sentimento de dependência
e respeito pelo líder, possui um fundamento autoritário. A sociedade para
Freud é sempre uma sociedade de desiguais, a igualdade é vista como utópica.
Freud parte do pressuposto liberal que, sem a desigualdade erótica, a escassez e
competição erótica, parcialmente sublimada em benefício da sociedade, não faltariam
antagonismos e identificações que a mantivessem unida. Se trocarmos a recompensa
econômica pela emocional, veríamos Freud como aquele que traduz a
linguagem da economia clássica em código ético-moral. O ethosliberal sujacente a
Freud transparece na sua admissão de desigualdade como um "destino" sua resignação
ante a fatalidade da existência da autoridade, buscando sua adequação ao
social nunca sua abolição. Por sua vez, ao comparar a autoridade pública à paterna,
a massa a crianças, destróiqualquer idealização da a~toridade pública. A analogia
entre a estrutura familiar ao Estado e sua técnica analítica encaminhada à
emancipação dos vínculos familiares, contitui-se numa crítica ao "respeito" social
e político.
Como o comportamento político tem raízes inconscientes, a política deve ser
a catarsedas massas, com função idêntica à arte no plano individual. Assim, nas
guerras as nações postulam interesses como "racionalizações" de suas paixões, a
ação coletiva representa regressão à barbárie, assim o Estado se permite atos que o
indivíduo jamais o faria. A maior parte das decisões "heróicas" se dá sob o signo
do instinto de morte. Freud critica o Estado na medida em que o identifica com as
massas, vendo-o como um ídolo que esmaga cegamente a consciência individual.
Quando condena o caráter repressivo da sociedade política, o faz na medida que a
categoria indivíduo constitui o fundamento de seu discurso e assegura a unidade
de seus pontos de vista.
(pg)248
Para o fundador da Psicanálise, a política era algo que ocorria na psique dos
indivíduos, daí sua psicologia ser tanto individual como social, visto essa como
"externalização" de fantasias e desejos pessoais. O interesse pelo social tem como
base o individual. A psicoanálise freudiana se insere na tradição liberal da defesa
do indivíduo.
No intuito de dominar o indivíduo associal, Freud reconhece a importância
civilizadora da sociedade, porém encara suas exigências sob o ângulo da "renúncia".
Nega o conceito organicista, segundo o qual os indivíduos se realizam através
da Igreja, comunidade sagrada ou Estado. A visão freudiana comparte a noção
segundo a qual a "sociedade" significa sempre sacrifícioda individualidade; nesse
sentido amplia as posturas de Nietzsche e Max Sttrner a respeito do "único". Daí
sua tentativa terapêutica em separar as paixões particulares de sua transferência
neurótica sobre a autoridade. Seu tema gira em torno do custodo sacrifícioda liberdade
individual à tirania social. Encata o auto-sacrifício como doença. Sua tarefa
consiste em controlar o custo entre o princípio de prazer (satisfação) e o princípio
de realidade (renúncia), nisso define-se a Psicanálise como terapia e douttina.
Procura defender o indivíduo da submissão inevitável a preceitos comunitários,
mediante análise do fundamento destes e sua gênese. Nesse sentido, sua doutrina
é a realizaçãodo liberalismo, onde a medicina atua como mediadora entre o
desejo individual e a coerção social, analisando esta nos momentos em que coíbe
aquele outro. O interesse pelo indivíduo, herdado do romantismo, traz consigo
uma visão eIitista. Seus sujeitos são os "cultos" que alcançaram sua individualidade
reconciliando-se com seus instintos, é a maturidade como meta de chegada da
existência. Perfila o tipo do homem tacional, prudente, liberto interiormente da
autoridade, quites com sua quota de conflito e neurose. A psicanálise postula uma
espécie de alienação racional entre os entusiasmos públicos. Freud é cético em
relação a todas ideologias, menos a que tange à vida pessoal.
A psicanálise parece como doutrina do homem "particular" que se defende
contra a invasão da esfera "públicà', a preocupação pela esfera "públicà' se dá por
motivações conscientemente "particulares". A medida psicológica, para ele, não é
perfeição social, é a saúde individual. Há luta individual pelo auto-domínio; a
psicoanálise é a vitória do ego (consciente) sobre o id (inconsciente), condição do
domínio sobre o ambiente. Dessa maneira é que a ética darwiniana transporta à
psicologia, vai mais além do liberalismosobrevivendo ao seu dedínio.
A liberdade
Para Freud, a liberdade é uma metáfora, só tem existência real do indivíduo,
quando entendida como um equilíbrio entre o ego e o superego e o idoA procura
da liberdade social, para ele, é uma contradição lógica, entende liberdade e tirania
(pg)249
como estados psíquicos, na base dela há a "tirania psíquica", entendida como
domínio dos temores e compulsões inconscientes. A psicanálise postula o indivíduo
antipolítica que procura a auroperfeição num contexto o mais possível separado
da comunidade. Para ele, toda política é sinônimo de corrupção, seja num
Estado liberal ou auroritário.
Na medida em que, para ele, a liberdade é um estado psíquico, sua possibilidade
de existência se dá em qualquer sociedade. Assim, pode haver escravos livres
em Roma Antiga como cidadãos escravizados na Europa. A Psicanálise com sua
ênfase na vida anterior e no equilíbrio das três instâncias do psíquico como condição
de saúde, questiona os regimes políticos. Dessa maneira, Freud desloca a questão
da análise do sistema político, para ele, ela passa pela equação pessoal e pela
interrogação de até que ponto o indivíduo deve ser limitado no marco das relações
sociais predominantes. Ele é o máximo de consciência possível do "ethos liberal",
que tem como base o inconsciente.
Obras consultadas
FREUD, S. Obras completas. Trad. Luiz Lopes Ballesteros y De Torres. Buenos Ayres:
Editora Americana, 1943. Volumes: VII - Totem y Tabu; IX - Psicologia de Ias massas y
analisis dei yo; XIX - EI porvenir de Ias religioncs.
LASWELL, Harold. Powerand Personality. 1948.
(pg) 250
A contribuição de Freud para o
esclarecimentodo fenômeno políticoI
Maurício Tragtenberg
Não pretendemos abordar as relações entre Psicanálise e Política, mas a contribuição
de Freud para o esclarecimento do fenômeno político. Isso significa
limitarmo-nos a seu universo discursivo, sem ampliar a análise do político, abrangendo
as várias correntes psicanalíticas, de Reich a Adorno, de Guatari a Lacan. A
volta de Freud significa a preocupação em compreender a sua contribuição específica
ao estudo do fenômeno político, sua pertinência e atualidade.
Durante mais ou menos um século, o estudo do "político" centrou-se nas instituições.
Fourier esperava que, através delas, o vício individual se transformasse
em virtude social.
A preocupação de Freud com o "social" se acentua após o impacto da Primeira
Guerra Mundial. Nos seus dois ensaios a respeito, um escrito em 1915 e outro em
]922, procurou ele mostrar a hipocrisia da sociedade moderna, a coerção social
funcionando e o caráter primário das tendências agressivas. Impressionado, como
Max Weber, com o empobrecimento da vida, ele valoriza, inicialmente, a guerra
como alternativa ao conceito convencional de morte, porém, a guerra condicionou
seu interesse no estudo da agressão, como o câncer que o vitimaria, levou-o a
aprofundar o conceito de "instinto de morte".
Admitindo que o nosso inconsciente mata, mesmo por motivos insignificantes,
vê na eclosão da guerra uma prova disso. Os homens não desceram tão baixo
por ocasião da guerra, dizia ele, porque nunca estiveram tão alto como pensavam
achar-se. Assim, o homem renuncia a seus instintos agressivos substituindo-os
pelas agressões estatais, o Estado proíbe ao indivíduo infrações, não porque queira
aboli-Ias, mas sim, para monopolizá-Ias.
A autenticidade e espontaneidade podem andar vinculadas ao instinto de morte.
Pode a pessoa "autenticamente" matar alguém e "espontaneamente" apertar o botão
I. (N. do E.) Texto publicado, em 22 de setembro de 1979, no jornal Folhada Tarde, p. 5.
A obra completa de Maurício Tragtenberg está sendo preparada para publicação, na íntegra, pela
Editora da Unesp. Já estão em circulação os dois primeiros volumes.
Este fragmento é uma reprodução autorizada.
(pg)243
que desl,eja centenas de bombas, espalhando a morte. Embora admitisse, no seu
primeiro ensaio sobre a guerra, que a mesma jamais poderia ser abolida, no segundo
ensaio, admite a existência de soluções culturais; sugere a existência de uma
autoridade universal para julgar os conflitos de interesse entre as nações.
A sua admissão da existência de uma agressividade "inatà' não o impediu de
considerar os meios indiretos de satisfação. O ódio básico, em Freud, é fundido
com as tendências sociais na medida em que o indivíduo amadurece.
Hobbes e Freud
Como Burke, admite Freud a positividade das restrições sociais que nos livram
da escravidão às paixões.
Enquanto, para Hobbes, o homem natural é egoísta, em Freud também o é,
com a diferença de que ele tem necessidade social. Enquanto, para Hobbes, o
homem segue a lei da astúcia e da força, Freud reconhece a sua existência, porém,
afirma, concomitantemente, a existência do amor e da autoridade, daí, a
ambivalência. A figura do contrato social, em Hobbes, Locke e Rousseau, era para
explicar a legitimidade original da sociedade capitalista. Para Hobbes, o pacto
social funda-se na existência do medo, que torna o homem prudente.
Para Freud, a sociedade política corresponde ao desejo irracional do homem em
restaurar a autoridade; com a morte do pai primitivo, surge no homem a "nostalgia
do pai". Para ele, o governo não surge de um contrato social, mas, de uma resposta
contra-revolucionária, que emerge após a queda do governo patriarcal e representa
o desejo majoritário dos cidadãos-irmãos, não é uma manifestação de prudência do
grupo. Os mitos do contrato social, no universo psicanalítico, podem ser vistos
como reafirmação da vontade do pai acima dos impulsos rebeldes dos filhos.
O contrato social, na medida em que significa o ingresso da sociedade na
organização política histórica, representa a aceitação da derrota da maioria, eis
que, mediante a restrição exogâmica de novas conquistas sociais, ninguém pode
alcançar outra vez o supremo poder do pai, embora todos tivessem lutado para
isso. Na forma de horda, família ou governo, para Freud, o que existe é o controle
da liberdade de ação. A existência da lei mostra a força dos desejos ocultos, a
existência de uma necessidade interna, que a consciência desconhece. Daí Freud
reconhecer que o desejo funda a necessidade da lei. O caráter complexo dos desejos
explica a complexidade das interdições sociais.
As proibições
Freud relaciona as proibições auto-impostas, mediante as quais os neuróticos
controlam os impulsos proibidos com as complicações rituais, mediante as quais
(pg)244
os povos primitivos se defendem da "desordem", os sentimentos libertários que
possam surgir originam auto-controles compensadores, e esses, por sua vez, a renúncia
a uma posse ou liberdade entendida como repressão e objetivada como
tabu ou lei. A ambivalência, o tabu significam a existência de uma dialética que
oscila entre repressão e rebelião; essa leva a nova repressão. A luta entre a lei e o
impulso só pode ser sintetizada pelo "ego". A liberdade procurada é a liberdade
para se tornar um amo. Os impulsos conscientes de rebelião, para Freud, originam-
se na inveja. O desejo de poder é contagiante, todos querem ser reis. O
excessivo respeito, a cortesia e as regras estritas de etiqueta em relação ao "chefe"
são derivadas do "medo de tocar" do primitivo, segundo Freud, medo de contatar
pessoas pelas quais sente hostilidade inconsciente, sejam chefes, mortos ou recémnascidos.
Para ele, todos os gestos de submissão são ambivalentes, daí o respeito e
o afeto esconderem hostilidade inconsciente. Freud venera quem estabelece regras
como Moisés e simpatiza com quem as contraria, como Ricardo 111.Todos nós
sofremos alguma ferida narcisista, daí nossa simpatia para com ele.
Ao produzir PsicologiadasMassaseAnálise do Eu, Freud estava abandonando o
evolucionismo linear de Totem e 1àbu e a preocupação pelas origens pré-históricas
cedia lugar à análise contemporânea. Essa preocupação transparece no seu texto
Novas Contribuiçõesà Psicanálise,onde relata seu conhecimento da obra de Marx.
Embora reconhecendo que as pesquisas de Marx sobre a estrutura econômica da
sociedade e a influência das distintas formas de economia sobre a vida humana
impuseram-se com indiscutível autoridade, mantém seu ponto de vista, segundo
o qual as diferenças sociais se originaram por diferenças raciais. Assim, para Freud,
fatores psicológicos, como o excesso de tendências agressivas constitucionais, a
coerência organizatória da horda e a posse das armas, decidiram a vitória; os vencedores
se transformaram em senhores e os vencidos em escravos; isso exclui o
do(nínio exclusivo dos fatores econômicos. Na sua crítica a Marx, partia ele do
conceito de ato econômico como "ato puro", difundido pela Escola Clássica.
Freud não só se preocupava com a herança de Marx, como, também, com o
fenômeno da ascensão das massas após a revolução industrial, para tanto, fundado
em Gustavo Le Bom, a quem corrigia em algumas particularidades, procurava
estudar as vinculações da massa com o líder. Para Freud, a relação política básica
consistia numa relação erótica, da massa com a autoridade. Para ele, a autoridade
sempre existe personificada. A horda supõe um chefe, o hipnotizado, um
hipnotizador, o amor, um objeto, a massa, um líder. Para ele a condição de líder
exige que este se aparte de seus subordinados e, ao mesmo tempo, evite que eles o
abandonem. O líder atua como um "centro" para organizar vidas que procuram
um sentido. Porém, situações de pânico e desorganização social podem levar a
massa a reorientar-se em torno de novos líderes. Para Freud, o líder toma a forma
de pai perseguidor, como o pai primitivo, ou perseguido, como Cristo. O líder
(pg)245
aparece como figura segura de si, com poucos vínculos libidinosos: a sua vontade
é reforçada pela dos outros. Freud vê toda a atividade política, sem distinção,
como influenciada pela autoridade. Segundo Freud, isso dá um sentido permanente
às manifestações de autoridade.
A psicologia
Sua psicologia tem implicações conservadoras no caso. Assim, na História não
há acontecimentos qualitativamente diferenciados. O líder na figura de pai e seus
seguidores, enquanto filhos, tornam a luta política uma luta geracional. Na
ambivalência, as mudanças sociais se tornam recorrências e as relações sociais só
têm sentido pelas necessidades psicológicasque preenchem. A crítica social é desvalorizada,
na medida em que é vista como manifestação da ambivalência geral
das emoções. A desconfiança dos governados ante o poder não se dá por uma
visão nacional de suas vitórias e fracassos, mas como expressão de sentimentos
hostis. Freud vincula o fenômeno político aos delírios paranóicos, no exagero da
importância de uma pessoa. Partir da participação libidinal é, para ele, decifrar a
genética do poder. Totem e 7àbu e Psicologiadas Massas mantém uma visão liberal
clássica: o indivíduo ante o Estado, sem ninguém como permeio, nenhum grupo
intermediário. Para Freud, o governante tem verdadeiro poder mediante atribuição
ilusória de seus partidários.
A imagem freudiana do pai, como modelo de autoridade, vincula-se diretamente
à idéia que, na sociedade ocidental, qualquer tipo de autoridade está submetido
a pressões e crises. A atitude psicanalítica reforça o distanciamento à crítica
do conceito de legitimidade, muito desenvolvida nas ciências sociais.
Para ele, a esferapolítica opera como extensão da esfera particular, a veneração
exagerada ao homem público é vista como recorrência da adoração do filho pelo
pai. Quanto mais carente de atenção e afeto, nas relaçõespessoais,tanto mais tende
a personalidade a "externalizar-se" à esfera pública, nessa procura de aceitação,
amor e cumplicidade. Não é possível o fanatismo na política, quando o partidário
reconhece no seu líder o deslocamento da imagem paterna, da mesma forma como
o crente fraqueja quando analisa sua conduta religiosa com destino à ilusão. Freud
realiza uma crítica da política na medida a que vincula neurose e poder, sintetizados
em Ricardo 111.Freud colocou em xeque o exercício "livre" da cidadania, na
medida em que descobriu o quanto de "irracional" esconde a conduta do chamado
cidadão médio.
o conselho de Laswell
Isso levou um politicólogo psicanalítico, Laswell, a aconselhar o liberalismo medicinal,
vinculando o exercício da liderança democrática à saúde e não à doença.
(pg)246
Visualizar o fenômeno político como externalização da esfera individual, em
sua dimensão subjetiva, e tendo como fundamento a ansiedade, pode levar a negar
a situação política objetiva. Da mesma forma o protesto social, na visão psicanalítico-
política, pode ser visto como sintoma neurótico, abrindo espaço à Psiquiatria
considerar a sociedade conforme as malhas do modelo médico mais
autoritário: o modelo hospitalar clássico.
Ao rechaçar o maniqueísmo ingênuo, que consiste em rotular como "boa" ou
"má" tal ou qual política, a Psicanálise vincula como "soluções dramatizadas" de
uma temática que tem a sua gênese na vida pessoal.
O governante tem o verdadeiro poder mediante a atribuição ilusória de seus
partidários.
A imagem freudiana do pai, como modelo de autoridade, vincula-se diretamente
com a idéia de que na sociedade ocidental qualquer tipo de autoridade será
submetido a crises.
A atitude psicanalítica reforça o distanciamento ante a autoridade. Freud agrega
a contribuição da análise psicanalítica à crítica do conceito de legitimidade, já
muito desenvolvida nas ciências sociais. Para Freud, a dimensão política é uma
extensão da esfera privada; assim, a veneração exagerada ante o homem público é
uma recorrência da adoração do filho pelo pai. Freud considera a personalidade
pública como um carente de atenção e afeto ou deferência, derivado das relações
pessoaIs.
Dessa forma, não é possível o fanatismo na política, quando o partidário reconhece,
no seu líder, o deslocamento da imagem paterna; o crente, a fraqueza,
quando analisa sua conduta religiosa, endereçada à ilusão. No fundo, Freud realiza
uma crítica da política, na medida em que, fundado em Ricardo 111,vê no
homem que exerce o poder um neurótico. Por outro lado, funciona o mecanismo
de identificação, daí as dinastias de poder dos Roosevelt aos Kennedy. A psicanálise
colocou em xeque o exercício "livre" da cidadania, na medida em que descobriu
o muito de "irracional" na conduta do cidadão médio, daí, um político; logo,
como Laswell aconselhar um liberalismo medicinal.
A grande receptividade da Psicanálise nos EUA consistiu no fato de ela postular
a vinculação das idéias de mudança social à conduta neurótica, assim, revolucionário,
seria aquele que estivesse em rebelião contra o seu pai. O público e o
aspecto social mascaram "conteúdos latentes", as ideologias revolucionárias seriam
"racionali~ações" de complexos edípicos.
Como confidente das fantasias e desejos do homem, Freud aprova o caráter
repressivo da sociedade. Enquanto sugere uma atitude conciliadorada mesma ante
os instintos, admite que seus interesses conflitam com o indivíduo. Assim, a debilidade,
credulidade e passividade das massas é acompanhada pela aquisição de
(pg)247
l
poder pelos líderes políticos. Segundo Freud, por natureza, os homens são incapazes
de esforço contínuo, de um trabalho regular e planejado, porém só ele é fonte
de independência e maturidade.
Isso é privilégio de algumas minorias, daí não esconder Freud a sua admiração
pelas minorias que sabem o que querem. Na sua Novas Contribuiçõesà Psicandlise,
ele imagina a existência de um pequeno grupo de homens de ação, imbatíveis em
suas convicções e impermeáveis à dúvida e ao sofrimento como condição de regeneração
social. No mesmo estilo, em carta a Einstein imagina ele uma espécie de
República Platônica, cujos governantes se constituam como comunidade subordinando
sua vida instintiva à ditadura da razão.
Para Freud o homem se compõe de uma estrutura instintiva básica, daí tentativas
de supressão da opressão política, para ele, resultariam na troca de um
autoritarismo por outro. Embora admita que a massa possua qualidades éticas
acima da norma, isso não basta para redimi-la do fato de que, o calor do
companheirismo entre seus pares anule a racionalidade do comportamento. Na
medida em que a sociedade mantém sua coesão graças ao sentimento de dependência
e respeito pelo líder, possui um fundamento autoritário. A sociedade para
Freud é sempre uma sociedade de desiguais, a igualdade é vista como utópica.
Freud parte do pressuposto liberal que, sem a desigualdade erótica, a escassez e
competição erótica, parcialmente sublimada em benefício da sociedade, não faltariam
antagonismos e identificações que a mantivessem unida. Se trocarmos a recompensa
econômica pela emocional, veríamos Freud como aquele que traduz a
linguagem da economia clássica em código ético-moral. O ethosliberal sujacente a
Freud transparece na sua admissão de desigualdade como um "destino" sua resignação
ante a fatalidade da existência da autoridade, buscando sua adequação ao
social nunca sua abolição. Por sua vez, ao comparar a autoridade pública à paterna,
a massa a crianças, destróiqualquer idealização da a~toridade pública. A analogia
entre a estrutura familiar ao Estado e sua técnica analítica encaminhada à
emancipação dos vínculos familiares, contitui-se numa crítica ao "respeito" social
e político.
Como o comportamento político tem raízes inconscientes, a política deve ser
a catarsedas massas, com função idêntica à arte no plano individual. Assim, nas
guerras as nações postulam interesses como "racionalizações" de suas paixões, a
ação coletiva representa regressão à barbárie, assim o Estado se permite atos que o
indivíduo jamais o faria. A maior parte das decisões "heróicas" se dá sob o signo
do instinto de morte. Freud critica o Estado na medida em que o identifica com as
massas, vendo-o como um ídolo que esmaga cegamente a consciência individual.
Quando condena o caráter repressivo da sociedade política, o faz na medida que a
categoria indivíduo constitui o fundamento de seu discurso e assegura a unidade
de seus pontos de vista.
(pg)248
Para o fundador da Psicanálise, a política era algo que ocorria na psique dos
indivíduos, daí sua psicologia ser tanto individual como social, visto essa como
"externalização" de fantasias e desejos pessoais. O interesse pelo social tem como
base o individual. A psicoanálise freudiana se insere na tradição liberal da defesa
do indivíduo.
No intuito de dominar o indivíduo associal, Freud reconhece a importância
civilizadora da sociedade, porém encara suas exigências sob o ângulo da "renúncia".
Nega o conceito organicista, segundo o qual os indivíduos se realizam através
da Igreja, comunidade sagrada ou Estado. A visão freudiana comparte a noção
segundo a qual a "sociedade" significa sempre sacrifícioda individualidade; nesse
sentido amplia as posturas de Nietzsche e Max Sttrner a respeito do "único". Daí
sua tentativa terapêutica em separar as paixões particulares de sua transferência
neurótica sobre a autoridade. Seu tema gira em torno do custodo sacrifícioda liberdade
individual à tirania social. Encata o auto-sacrifício como doença. Sua tarefa
consiste em controlar o custo entre o princípio de prazer (satisfação) e o princípio
de realidade (renúncia), nisso define-se a Psicanálise como terapia e douttina.
Procura defender o indivíduo da submissão inevitável a preceitos comunitários,
mediante análise do fundamento destes e sua gênese. Nesse sentido, sua doutrina
é a realizaçãodo liberalismo, onde a medicina atua como mediadora entre o
desejo individual e a coerção social, analisando esta nos momentos em que coíbe
aquele outro. O interesse pelo indivíduo, herdado do romantismo, traz consigo
uma visão eIitista. Seus sujeitos são os "cultos" que alcançaram sua individualidade
reconciliando-se com seus instintos, é a maturidade como meta de chegada da
existência. Perfila o tipo do homem tacional, prudente, liberto interiormente da
autoridade, quites com sua quota de conflito e neurose. A psicanálise postula uma
espécie de alienação racional entre os entusiasmos públicos. Freud é cético em
relação a todas ideologias, menos a que tange à vida pessoal.
A psicanálise parece como doutrina do homem "particular" que se defende
contra a invasão da esfera "públicà', a preocupação pela esfera "públicà' se dá por
motivações conscientemente "particulares". A medida psicológica, para ele, não é
perfeição social, é a saúde individual. Há luta individual pelo auto-domínio; a
psicoanálise é a vitória do ego (consciente) sobre o id (inconsciente), condição do
domínio sobre o ambiente. Dessa maneira é que a ética darwiniana transporta à
psicologia, vai mais além do liberalismosobrevivendo ao seu dedínio.
A liberdade
Para Freud, a liberdade é uma metáfora, só tem existência real do indivíduo,
quando entendida como um equilíbrio entre o ego e o superego e o idoA procura
da liberdade social, para ele, é uma contradição lógica, entende liberdade e tirania
(pg)249
como estados psíquicos, na base dela há a "tirania psíquica", entendida como
domínio dos temores e compulsões inconscientes. A psicanálise postula o indivíduo
antipolítica que procura a auroperfeição num contexto o mais possível separado
da comunidade. Para ele, toda política é sinônimo de corrupção, seja num
Estado liberal ou auroritário.
Na medida em que, para ele, a liberdade é um estado psíquico, sua possibilidade
de existência se dá em qualquer sociedade. Assim, pode haver escravos livres
em Roma Antiga como cidadãos escravizados na Europa. A Psicanálise com sua
ênfase na vida anterior e no equilíbrio das três instâncias do psíquico como condição
de saúde, questiona os regimes políticos. Dessa maneira, Freud desloca a questão
da análise do sistema político, para ele, ela passa pela equação pessoal e pela
interrogação de até que ponto o indivíduo deve ser limitado no marco das relações
sociais predominantes. Ele é o máximo de consciência possível do "ethos liberal",
que tem como base o inconsciente.
Obras consultadas
FREUD, S. Obras completas. Trad. Luiz Lopes Ballesteros y De Torres. Buenos Ayres:
Editora Americana, 1943. Volumes: VII - Totem y Tabu; IX - Psicologia de Ias massas y
analisis dei yo; XIX - EI porvenir de Ias religioncs.
LASWELL, Harold. Powerand Personality. 1948.
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MAURÍCIO TRAGTENBERG
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
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