terça-feira, 9 de março de 2010

O nacionalismo como ideologia da desconversa

O nacionalismo como ideologia da desconversa - por Maurício Tragtenberg

A população brasileira, especialmente os assalariados urbanos e rurais, tem baixo envolvimento ideológico, tanto quanto as classes dominantes.

Os primeiros, especialmente após a Revolução de 30, com a criação do Sindicato Único atrelado ao Estado que vive da contribuição sindical e taxa assistencial descontada compulsoriamente de quem trabalha, na sua maioria, estão fora dos sindicatos e dos partidos políticos. Há categorias operárias, em que 70% não conhecem o nome dos diretores, 60 a 70% não sabem onde está instalada a sede de seu sindicato.

No que tange aos partidos políticos, é válida a afirmação de Oliveira Vianna: “não são entidades de direito público, são entidades de direito privado.” O proletariado urbano até bem pouco tempo seguia coronéis urbanos (Prestes, Getúlio Vargas), a classe média mais qualificada e alguns setores operários seguiam Jânio, a classe média desqualificada e o ‘lúmpen’ seguiam Adhemar de Barros, enquanto ‘líder carismático’. Quanto aos partidos ideológicos, Ação Integralista Brasileira ou PCB, víamos o primeiro, na sua maioria, integrado pela classe média urbana e setores da burocracia civil e militar que seguia Plínio Salgado como ‘Chefe Nacional’; o segundo só fora partido de massas entre 1933/35 e 1945/7 atrás do carisma prestista.

A classe dominante brasileira que tem o poder econômico ‘brincava’ de formar partidos políticos. A União Democrática Nacional era desunida, planejava golpes de Estado (vide 1964) e era pouco nacional; o Partido Social Democrático era pouco democrático e no plano social, um zero à esquerda. Como hoje, o Partido Democrático Social nada tem que ver com o título e o Partido Trabalhista tem tudo, menos trabalhadores de linha na sua direção, vive da exploração política de um morto cujo carisma sua sobrinha pretende incorporar; é o carisma de Getúlio que Ivete quer reproduzir.

Isso não impediu a ‘sagrada união’ desses partidos com facções do PMDB na votação da lei de arrocho, exigida pelo Fundo Monetário Internacional.

E o nacionalismo o que tem que ver com isso?

Entendo que o ‘nacionalismo’ como fenômeno na política nacional emerge após 30 com o ‘Tenentismo’ disposto a reformas sociais e políticas. Porém, Getúlio ap nomeá-los capitães, ‘cooptou-os’, integrando-os à máquina do Estado Novo.

A Ação Integralista Brasileira leva adiante a bandeira nacionalista por mediação de Plínio Salgado, que procura unir a ideologia nacionalista à defesa da pequena propriedade e sua extensão em nível nacional. Seu ódio à industrialização e urbanização define, nesse contexto, uma ideologia de nacionalismo defensivo, que não procura como o fascismo a expansão externa, militar ou não. Tem apoio nas classes médias urbanas, pequenos proprietários rurais, grandes latifundiários e setores civis e militares da burocracia estatal.

Vargas utilizou-a para subir ao poder, eliminado-a após tê-lo em suas mãos, devemos lembrar que o integralismo provém das Ligas Nacionalistas criadas na 1ª República, quando Olavo Bilac criava um ‘nacionalismo patrioteiro’ parnasiano. As Ligas se constituíam numa resposta conservadora aos movimentos sociais operários urbanos vinculados ao socialismo libertário em São Paulo, ou à social-democracia alemã, no Rio Grande do Sul, na mesma época.

Com Vargas, assistimos a emergência de um nacionalismo tático fundado com a implantação do ‘Estado Novo’ (1937/45), porque sua ideologia era ausência de qualquer ideologia, daí sua fama de ‘político’. Com a 2ª Guerra e a industrialização conjuntural que era sua decorrência no País, Vargas emerge como um ‘líder industrialista’. Ao mesmo tempo, cria o ‘sindicalismo de controle’ já em 1931, atrelado ao estado, onde ele no topo executava suas funções como ‘pai dos podres’.

Com Juscelino, teremos o célebre Iseb vinculado ao Ministério de Educação e Cultura – que, segundo ele – tinha como única bandeira ‘amar ao Brasil’.

O nacionalismo isebiano lutava ‘pelos interesses superiores da Nação’, criticava aqueles intelectuais que não compreendiam as ‘nações subdesenvolvidas’, considerava-se expressão autêntica ideologia, porque independente dos interesses específicos de cada classe, o Iseb formulava uma ideologia para a comunidade como um todo. Concebia uma sociologia nacional (desalienada), não falava de capitalismo, mas sim, de nação dependente.

Via a contradição principal entre a periferia e a metrópole e, no nível interno entre o setor moderno (industrial) e o arcaico (latifúndio).

Através de seus ideólogos, o Iseb definia as contradições fundamentais no Brasil; Alvaro V. Pinto pregava a união entre o proletariado e a burguesia autóctone contra o imperialismo e a burguesia industrial alienada; Cândido Mendes unia o empresariado aos assalariados num bloco contra o latifúndio expansionista; Guerreiro Ramos unia a burguesia nacional mais o proletariado contra os setores vinculados à estrutura colonial; Hélio Jaguaribe unia a burguesia nacional à classe média produtiva e o empresariado contra a burguesia latifundiária mercantilista e a classe média cartorial; Nelson W. Sodré, pregava a união entre a burguesia nacional, pequena burguesia e o operariado contra a burguesia latifundiária e o imperialismo; finalmente, Roland Corbisier, unia os industriais ‘autóctones’ ao proletariado urbano e à lavoura tecnificada contra o imperialismo, burguesia latifundiária-mercantil e classes médias parasitas, conforme Caio N. Toledo, ‘Iseb, fábrica de ideologias’, Ed. Ática, 1977, págs. 130/1.

Qual foi a prática de JK, oposta ao nacionalismo isebiano, do qual aproveitou a teoria desenvolvimentista? Sobre sua égide houve a internacionalização da economia, que os militares após 64 aprofundaram às últimas conseqüências com a ‘involução nacionalista’. Seu ‘desenvolvimento’ enriqueceu os mais pobres.

Por isso, entendo que o surto nacionalista perceptível apenas no nível do discurso é hoje fruto da crise conjuntural. Para a classe dominante no Brasil, pode ser uma arma para regatear com o capitalismo mundial maiores facilidades para si.

O nacionalismo que opõe frações de industriais e banqueiros, classe média contra estes e o capital internacional, define contradições secundárias no sistema. A intelectualidade classe média assumindo-o poderá usá-lo para ascensão social nos ‘aparelhos do Estado’. É o ‘interesse nacional’ ideal e o interesse classista particular o real. Para o proletário urbano e rural nada significa, mais envolventes têm sido os ‘saques’ para saciar a fome.

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* Maurício Tragtenberg é professor do Departamento de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas em São Paulo e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Fonte: Folha de S. Paulo, de 19.11.1983. Também publicado in:
http://www.espacoacademico.com.br/025/25mt191183.htm

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