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por JOÃO ALBERTO DA COSTA PINTO
Docente na Universidade Federal de Goiás, Doutor em História (UFF).
As origens políticas do marxismo de João Bernardo (Portugal/França: 1965–1974) Proponho neste artigo uma breve descrição da trajetória política e ideológica de João Bernardo no período de 1965 a 1974 quando do seu envolvimento nas lutas políticas anti-salazaristas em Portugal, como estudante de História (1965), militante do Partido Comunista Português (PCP) (1965-1966), e como organizador dos Comitês Comunistas Revolucionários (CCR) (1970-1974) a partir de Paris quando ali esteve exilado (1968-1974). Pela amplitude das questões específicas que o tema tem como imanentes, neste artigo limito-me a estabelecer uma descrição que procura conectar os fatos políticos da trajetória do pensador português com o desenvolvimento e afirmação de seu projeto teórico que em percurso já de quatro décadas afirma-se hoje como um dos mais vigorosos projetos teóricos do marxismo contemporâneo. Ressalve-se o caráter provisório da minha argumentação, já que o projeto de pesquisa que desenvolvo sobre a trajetória política e o conjunto da obra do autor encontra-se ainda em estágio inicial de recolha de material e entrevistas que faço com alguns dos muitos personagens que junto com João Bernardo estiveram envolvidos nas lutas anti-salazaristas, principalmente os que se envolveram na organização dos CCR, e os que participaram das práticas autogestionárias em torno da experiência do coletivo COMBATE (1974-1978), desse modo, os aspectos que enfatizarei nesta oportunidade, para o que propõe este dossiê temático, ressalvando-se o seu caráter descritivo, centrar-se-ão no momento inicial de definição do projeto teórico-político de João Bernardo, daí o recorte cronológico circunstanciar-se ao período 1965-1974. João Bernardo Maia Viegas Soares nasceu em 1946 na cidade do Porto em Portugal. Em 1965, acusado de agressão ao Professor Paulo Cunha, Reitor da Universidade de Lisboa, foi expulso de todas as universidades portuguesas por um período de oito anos[1]. Era militante do PCP, mas nesse momento (1965-1966) já estava sob influência do programa comunista dissidente desenvolvido pelo “Camarada Campos” (Francisco Martins Rodrigues), programa apresentado na revista REVOLUÇÃO POPULAR (editada por Martins Rodrigues) e que teria como corolário a organização maoísta do CMLP (Comitê Marxista Leninista Português). João Bernardo esteve sob influência do programa de Martins Rodrigues, mas não participava da organização do CMLP, manteve-se vinculado ao PCP (até 1966, quando o abandona) e diante da heterodoxia do programa de Martins Rodrigues, organizou no período de 1967 a 1969 um programa teórico político em defesa de um “maoísmo libertário” que teve como corolário institucional a organização dos CCR, práticas que o levaram ao rompimento político definitivo com o PCP e ao rompimento ideológico com o CMLP[2]. Se pudesse descrever de modo simplificado as principais matrizes teóricas e políticas do comunismo português do período, poderia descrevê-las sob o acento das intervenções de Álvaro Cunhal (PCP), de Martins Rodrigues (CMLP) e de João Bernardo (CCR). Foi no exílio, em Paris, que João Bernardo (sob o pseudônimo de “Tiago”), organizou os CCR e lhes deu uma marca teórica emblemática para o marxismo português, essa marca está exposta numa série de artigos – “‘À esquerda de Cunhal’ todos os gatos são pardos” – que escreveu no VIVA O COMUNISMO, periódico dos CCR[3]. Em paralelo a esse debate programático organizacional, o autor dava os primeiros movimentos ao seu modelo teórico marxista heterodoxo, modelo esse que haveria além de assinalar seu rompimento com as diretrizes do stalinismo pecepista e com o maoísmo do CMLP, também demarcaria já em fins de 1972 os indicativos de ruptura com o maoísmo dissidente dos CCR. De um leninismo radical que defendera como modelo de prática política ideal junto aos CCR, no período de 1973 a 1974, por causa dos resultados teóricos do esforço investigativo que envidou sobre a política comunista portuguesa, a política institucional do comunismo internacional (em especial o do modelo chinês) e fundamentalmente sobre as novas composições das classes dominantes portuguesas no momento do governo de Marcelo Caetano, João Bernardo aponta o seu rompimento com a tradição marxista-leninista ortodoxa, inclusive a sua e desenvolverá então as bases teóricas de um comunismo heterodoxo de práticas institucionais autogestionárias. A primeira versão global desse novo modelo teórico do autor aparece em 1975, quando publica o livro Para Uma Teoria do Modo de Produção Comunista[4], o documento maior do movimento autogestionário português representado nas práticas do coletivo reunido em torno do jornal COMBATE [5]. Ao longo da década de 1970 em trabalho que desenvolve até o presente momento, o autor deu seqüência às suas pesquisas como investigador autodidata realizando-as em algumas das principais bibliotecas européias, em França, Inglaterra, Itália, Espanha e Portugal. Esse trabalho de pesquisa teve como resultado nos últimos anos um conjunto de obra teórica e obra historiográfica radicalmente coerente na sua integralidade com as práticas teórico-ideológicas desenvolvidas nas lutas políticas das décadas de 1960 e 1970, não que isso signifique que o autor continue a defender o mesmo programa de antes, ao contrário, o que quero afirmar é que o autor mantém ao longo das últimas décadas a mesma atitude intelectual, isto é, revisa e amplia as bases conceituais do modelo teórico anticapitalista que o seu marxismo heterodoxo propõe como interpretação das formas e práticas institucionais do capitalismo na sua experiência contemporânea de capital transnacionalizado. É característica fundamental desse conjunto de obra, a constante revisão – atualização pontual de alguns aspectos programáticos que, no entanto, não lhe altera o estatuto fundamental: manter a atualidade do programa teórico-político do comunismo marxista autogestionário, programa esse, centrado no conceito de exploração e na redefinição (junto a Marx) do estatuto teórico da mais-valia, da lei do valor nas práticas recentes do capitalismo e é nesse sentido que o autor procura desenvolver uma agenda política sempre atual que desvele as contradições sociais imanentes às práticas institucionais da organização da exploração capitalista e essa agenda demarca-se pela defesa intransigente das lutas autonomistas dos trabalhadores oriundas dos laços de sua solidariedade germinados dessas práticas anticapitalistas, principalmente aquelas que se antepõem ao capitalismo dos sindicatos, uma das expressões máximas do capitalismo de gestores. Como resultado dessa operação teórico-política determina-se como central ao conjunto de seu pensamento e obra a caracterização histórica das práticas políticas dos GESTORES como classe dominante na lógica da reprodução capitalista, classe dominante que se define historicamente no capitalismo ao lado e depois se sobrepondo da outra classe dominante: a Burguesia, isto porque, afirma a obra do autor, os Gestores são a expressão institucional do controle e organização da exploração global capitalista sobre a força de trabalho assalariada. Assim, o capitalismo dos gestores e a conseqüente, porque obrigatória, redefinição do estatuto marxista da Lei do Valor, são os emblemas-síntese da originalidade programática do marxismo de João Bernardo e some-se a esses aspectos estruturais de sua obra a sempre permanente busca por uma reflexão epistemológica que se defina como modelo operacional de investigação global para as Ciências Sociais e Ciências Humanas em geral, centrada na explicação de como se estruturam e definem as práticas ideológico-institucionais dos indivíduos e das classes sociais na reprodução societária do capitalismo contemporâneo. Numa rápida descrição do conjunto da obra é possível verificar-se a coerência e articulação que lhe é imanente em desenvolvimento já com mais de três décadas de publicações. O autor tem diferentes tipos de publicações, diferentes pelos propósitos políticos e pedagógicos do alcance proposto na conjuntura da edição. Há títulos de resposta conjuntural que colocam em prática analítica o modelo teórico desenvolvido com mais detalhamento e rigor em outros títulos. Exemplos de trabalhos de conjuntura, de resposta política do intelectual em intervenção crítica aos problemas do capitalismo que lhe é contemporâneo, são os livros: 1) O Inimigo Oculto. Ensaio sobre a luta de classes. Manifesto anti-ecológico (Porto: Afrontamento, 1979); 2) Crise da Economia Soviética (Coimbra: Fora do Texto, 1990); 3) Transnacionalização do capital e fragmentação dos trabalhadores. Ainda há lugar para os sindicatos? (São Paulo: Boitempo, 2000); e 4) Democracia Totalitária – teoria e prática da empresa soberana (São Paulo: Cortez, 2004). Outros títulos marcam-se como obras de investigação historiográfica, é o caso da monumental trilogia – Poder e Dinheiro. Do Poder Pessoal ao Estado Impessoal no Regime Senhorial. Séculos V-XV (03 volumes) (Porto: Afrontamento, 1995, 1997 e 2002). Esta trilogia tem tradução prevista para o inglês sob a coordenação do grupo editorial da revista britânica Historical Materialism, editada pela London School of Economics. O outro título historiográfico, sem similar na Historiografia de língua portuguesa pela sua colossal pesquisa bibliográfica e envergadura de propósitos analíticos é – Labirintos do Fascismo. Na Encruzilhada da Ordem e da Revolta (Porto: Afrontamento, 2003). Nestes trabalhos a originalidade do modelo marxista do autor mantém-se com todo o seu vigor. Por exemplo, na última obra citada, o autor apresenta em centenas de páginas a demonstração historiográfica da ação de classe dos gestores ao longo do século XX, se em outras obras a discussão conceitual sobre os gestores como classe dominante no capitalismo aparece como estruturação teórica no embate conceitual interno do marxismo contemporâneo, neste livro, ao longo de suas 959 páginas o que se observa é a prova histórica da materialidade da ação de classe dos gestores. O autor preparou esse livro ao longo de pelo menos duas décadas, seu rascunho, seu desenho inicial já está apontado num ensaio que compõe uma das partes do livro – Capital, Sindicatos, Gestores (São Paulo: Vértice, 1987). Este livro caracteriza um outro tipo de publicações do autor, aquelas obras resultantes de cursos que ministrou no Brasil ao longo dos últimos vinte anos[6]. A esse “tipo” de publicação soma-se o livro: Estado. A silenciosa multiplicação do poder (São Paulo: Escrituras, 1998). A estes três “tipos” de publicações acrescenta-se aquele conjunto de títulos que demarcam o núcleo duro, a centralidade do projeto teórico político do marxismo de João Bernardo, refiro-me aos trabalhos de epistemologia, em obras como: Marx Crítico de Marx. Epistemologia, Classes Sociais e Tecnologia (03 volumes) (Porto: Afrontamento, 1977) e Dialética da Prática e da Ideologia (São Paulo: Cortez; Porto: Afrontamento, 1991)[7]. Nestes trabalhos o modelo teórico do autor está configurado na sua estrutura básica, nos fundamentos epistemológicos de um marxismo radicado em articulada proposição heterodoxa porque asseverado por diálogo de revisão e contestação programática direta com os fundamentos da matriz marxiana e dos clássicos do marxismo contemporâneo. No entanto, é no livro Economia dos Conflitos Sociais (São Paulo: Cortez, 1991) que o modelo teórico-político do autor apresenta-se na sua totalidade, esta é a obra máxima do marxismo de João Bernardo. Os elementos de fundamentação epistemológica, a caracterização da economia política capitalista nos seus fundamentos básicos – Condições Gerais de Produção, Unidades de Produção Particular, a lei do valor e a reprodutibilidade das taxas da mais-valia relativa, as formas tecnológicas de exploração dos tempos produtivos, a função do dinheiro, as classes do capitalismo (burguesia, gestores, proletariado), as formas das lutas anti-capitalistas nos modelos dos marxismos das forças produtivas e no das relações sociais de produção, os movimentos caracterizadores do Estado no Capitalismo (nas teses do Estado Restrito e do Estado Amplo), em suma, nessa obra o sentido macroestrutural da totalidade conceitual do marxismo do autor aparece em toda a sua plenitude [8]. Apresentada assim, em rápidas palavras, a trajetória intelectual de João Bernardo, a seguir, passo a caracterizar os “primeiros passos” do modelo marxista do autor, e o faço resgatando alguns aspectos dos seus escritos políticos apresentados quando da organização dos CCR e o debate imanente que os mesmos carregam diante das premissas do marxismo português que lhe era contemporâneo: as intervenções de Álvaro Cunhal (PCP) e as de Francisco Martins Rodrigues (CMLP). A defesa do método marxista, a defesa do materialismo dialético, como arma obrigatória do revolucionário comunista, a ênfase em tal termo justifica-se contra o oportunismo e o dogmatismo que alimentava o programa do PCP, aspecto que segundo o documento de fundação dos CCR[9], seria o principal responsável pelo “atraso ideológico” em que permanecia o proletariado português, situação originada pela “forte presença de ideários pequeno-burgueses”, manifestados por Álvaro Cunhal, em exemplos como o da assertiva dos burgueses “honrados”. A grande meta dos CCR era combater esse atraso ideológico, combater o revisionismo “frentista” republicano do PCP. Junto às perspectivas “republicanas” pequeno-burguesas do PCP, o documento inaugural dos CCR manifesta também a sua discordância com as possibilidades para Portugal de práticas políticas do modelo castrista-guevarista, porque a importação do mesmo implicaria, entre outros problemas, no “foquismo”, que para os CCR significava uma prática política insurrecional distante das concretas práticas políticas revolucionárias do proletariado português, essa seria uma experiência de ação prática igualmente pequeno-burguesa. No mesmo documento manifesta-se, de modo axial, a diferença política dos CCR com o CMLP, os CCR reconhecem o importante papel teórico do CMLP, já que esta agremiação fora a responsável pela “primeira tentativa de análise científica da realidade portuguesa e de interpretação comunista dessa realidade” (DPCCR, p. 03). Essa “interpretação comunista” apareceu na série de artigos escrita por Francisco Martins Rodrigues (“Camarada Campos”) nos seis números da revista Revolução Popular[10]. Enfim, com a ênfase na formação intelectual do militante a principal proposta indagada pelos CCR era a de acabar com o “seguidismo”, a falsa disciplina de caserna, a mentalidade de sargento “comum ao partido de Cunhal e a grupos que se dizem marxistas-leninistas” (DPCCR, p. 05). Para os CCR o militante comunista com o uso do método marxista deveria saber a analisar a realidade histórica e a discuti-la e assim, saber “criticar e autocriticar-se” diante das realidades dos fatos conjunturais a que estivesse envolvido, só assim se poderia consolidar uma organização comunista disciplinada. Esse foi um dos principais propósitos do jornal VIVA O COMUNISMO!, isto é, apresentar-se como um jornal teórico de reflexão marxista sobre os principais problemas do capitalismo, essa prática teórica contrária aos “vícios” dos modelos comunistas então criticados foi levada a seu termo de modo intransigente por João Bernardo “Tiago” e a série de artigos (não assinados) “‘À esquerda de Cunhal’ todos ... afirma-se como um expressivo exemplo desses propósitos, os artigos não apenas recuperam a historicidade dos fatos políticos do comunismo português daquele período, como afirmam ainda o sentido rigoroso da aplicação do materialismo dialético à realidade estrutural do capitalismo português, principalmente no que se refere às mutações de classe acontecidas no campo da exploração em fins da década de 1960. As premissas dos CCR radicavam-se num leninismo “puro”, os CCR enquanto comitês deveriam nas suas zonas de influência afirmar-se como vanguarda operária, a ampliação dos comitês e a crescente mobilização desse trabalho prático de autonomia teórica e rigor com a organização operária é que poderia desencadear o processo de conversão num Partido, só assim “os Comitês Comunistas Revolucionários se poderão converter no Partido Comunista Revolucionário” e “só na fase de partido” é que a organização dos CCR poderia então “desencadear e conduzir acções de massas”[11]. Em linhas gerais, então, qual poderia ser a marca da prática política de João Bernardo no contexto 1965-1969 e 1970-1974? Antes de se firmar historicamente um autêntico partido marxista-leninista de massas, a necessidade dos comitês – os CCR, e com esses, a reflexão teórica sobre a realidade histórica para assim se conseguirem os instrumentos teórico-práticos da verdadeira luta de classes. Os CCR teriam a função de preparar a vanguarda que organizará o futuro Partido Comunista. Contudo, nesse processo, um fato: dessa análise histórica das práticas gestoriais do comunismo internacional (principalmente o modelo de Capitalismo de Estado Chinês), do capitalismo e da experiência capitalista portuguesa em particular (destacando-se as mutações originadas com o “marcellismo” – hegemonia do capital financeiro e a ascensão da tecnocracia industrial e financeira [aqui se definem para o autor os fundamentos teórico-históricos para a caracterização dos Gestores como classe dominante capitalista] como classe), dessa análise global, o modelo teórico derivado, paradoxalmente, impossibilitava a continuidade do projeto político de bases marxistas-leninistas, porque, constatava o autor, que as mutações, as práticas de organização da exploração capitalista ao asseverarem a tecnocracia como classe dominante, o princípio organizatório da luta operária centrado no partido acabaria por reproduzir na verticalidade de suas hierarquias os mesmos procedimentos gestoriais tecnocráticos, assim, a busca por um leninismo radical, levou o autor e facções dos CCR a romper com o próprio leninismo de origem e afirmar o princípio autogestionário das lutas sociais anticapitalistas[12]. Das posições contrárias à política de Cunhal e do PCP – a política da unidade de todos os portugueses honrados, do levantamento nacional antifascista sob hegemonia da burguesia nacional de onde sairiam os “homens honrados”, da posição contrária aos limites organizacionais do CMLP, ainda que de acordo com o programa do “Camarada Campos”, das premissas de um método marxista-leninista autêntico, na busca do militante revolucionário ideal, João Bernardo descobre na realidade dos fatos por ele analisada, a impossibilidade de uma prática política partidária centralizada num partido comunista, impossibilidade essa afirmada pela percepção da nova realidade de classe que Portugal apresentava com Marcello Caetano, pela configuração das novas formas de organização da exploração da força de trabalho. Com a marca inicial da dissidência maoísta dos CCR no campo da ortodoxia marxista-leninista portuguesa, as práticas institucionais de João Bernardo levam-no à “superação”, à ultrapassagem dos limites históricos do programa inicial dos CCR. O marxismo de João Bernardo sempre teve a marca da atitude heterodoxa, a partir do método marxista enfrentar os cânones da tradição ortodoxa, inclusive as bases matriciais da obra de Marx, e na conjuntura da luta antifascista em Portugal, mesmo quando defendia uma ortodoxia radical sempre esteve com as suas práticas a afirmar a marca da ruptura heterodoxa, com as suas práticas teórico-políticas ultrapassava e “superava” os limites estruturais do “seguidismo” institucional ortodoxo e afirmava – como ainda afirma – a única possibilidade revolucionária concreta para a classe operária: é das práticas solidárias da luta autonomista e do controle cotidiano das bases produtivas globais de sua sociabilidade que se institucionalizarão de modo efetivo as possibilidades do comunismo como modo de produção.
______________ [1] João Bernardo foi impedido judicialmente de estudar em qualquer Universidade portuguesa em condenação imposta pelo Supremo Tribunal de Justiça por causa de uma suposta agressão ao Reitor da Universidade de Lisboa acontecida em 01 de abril de 1965 quando o autor era aluno do primeiro ano do Curso de História na Faculdade de Letras. Desse acontecimento, na verdade uma discussão com o Reitor e não uma agressão – luta corporal houve com dois funcionários que impediram a aproximação de João Bernardo ao Reitor, elaborou-se extenso processo criminal que culminou em 1966 com a sentença da expulsão de todas as universidades pelo período de oito anos. O Advogado Álvaro Soares (pai de João Bernardo) defendeu o acusado sem sucesso, produziu, no entanto, nessa defesa, dois documentos notáveis que desmontam na retórica da acusação os sofismas judiciais de um regime fascista. Mesmo impedido de freqüentar instituições acadêmicas, João Bernardo, na clandestinidade, manteve-se como um dos principais articuladores no meio estudantil das lutas de resistência contra o regime fascista português. Em fins de 1967, pela repressão imposta pela PIDE contra as agremiações políticas dos estudantes, João Bernardo decide-se pelo exílio em Paris. Sobre a expulsão de João Bernardo e a defesa do seu advogado, consultar: SOARES, Álvaro. Recurso do Estudante João Bernardo Maia Viegas Soares da pena disciplinar de oito anos de exclusão de todas as escolas nacionais. Lisboa: Edição do Autor, 1966, 74 p.; e ainda, SOARES, Álvaro. PARA O PLENO. Reclamação do despacho que não admitiu o recurso ao Estudante João Bernardo Maia Viegas Soares do Acórdão que confirmou a pena disciplinar de oito anos de exclusão de todas as escolas nacionais. Lisboa: Edição do Autor, 1968, 59 p. [2] Na clandestinidade, depois da sentença pela sua expulsão, e depois de ter sido preso três vezes, João Bernardo atuava no SCIP (Secretariado Coordenador da Informação e Propaganda), órgão federativo estudantil – não reconhecido oficialmente pela legislação estatal que só permitia associações acadêmicas restritas às unidades de ensino. Dessas práticas políticas, João Bernardo organiza várias “células” políticas formalmente próximas do CMLP que, no entanto, acabaram por se constituir como a base futura dos CCR que o autor organizou quando no exílio. Informações obtidas por entrevista com João Bernardo feita por e-mail em 21/01/2006. Outras informações sobre a trajetória de João Bernardo no movimento estudantil clandestino estão em LOURENÇO, Gabriela, COSTA, Jorge e PENA, Paulo. Grandes Planos – Oposição Estudantil à Ditadura: 1956 – 1974. Lisboa: Âncora Editora / Associação 25 de Abril, 2001, pp. 115 – 125 e 166 – 168. [3] Essa série tem ao todo quatro artigos escritos por João Bernardo (artigos não assinados) apresentados na seguinte ordem cronológica: 1) “‘À esquerda de Cunhal’ todos os gatos são pardos” – 1ª. Parte: limitações e promessas no despontar de uma nova etapa do movimento revolucionário (de Janeiro de 1964 a Dezembro de 1965). In VIVA O COMUNISMO!, n. 02/03, Paris / Lisboa, julho – agosto de 1970, pp. 02 – 28; 2) “‘À esquerda de Cunhal’ todos os gatos são pardos” (continuação) – 2ª. Parte: a degenerescência dogmática – origem e efeitos (de princípios de 1966 a fins de 1968). In VIVA O COMUNISMO!, n. 04, Paris / Lisboa, maio de 1971, pp. 18 – 42; 3) “‘À esquerda de Cunhal’ todos os gatos são pardos” (continuação) – 3ª. Parte: as cisões (de 1966 a 1969 – 70). In VIVA O COMUNISMO!, n. 05, Paris / Lisboa, maio de 1972, pp. 27 – 51; 4) “‘À esquerda de Cunhal’ todos os gatos são pardos (conclusão) – 4ª”. Parte: a situação actual – grandes tendências e a clarificação de posições”. In VIVA O COMUNISMO!, n. 06, Paris / Lisboa, agosto de 1972, pp. 02 – 34. [4] BERNARDO, João. Para Uma Teoria do Modo de Produção Comunista. Porto: Afrontamento, 1975. Este livro tinha sido redigido em Paris em 1972, Rita Delgado confirma a leitura do manuscrito nessa data (entrevista por e-mail em 15 de fevereiro de 2006). O livro foi traduzido na Espanha em 1976. O autor republicou em 1978, em português, o importante prefácio que fez à edição espanhola – consultar: BERNARDO, João. A propósito da teoria do modo de produção comunista. In Revista Trimestral de Histórias e Idéias, n. 02, Porto, Afrontamento, 1978, pp. 99 – 105. Importa destacar, portanto, que o autor em 1972 já “ultrapassava” os conteúdos e o modelo que ele mesmo construíra junto aos CCR. Das contradições do maoísmo, do fracasso da Revolução Cultural Chinesa e da ascensão dos gestores como classe dominante no capitalismo de Estado chinês, João Bernardo caminhará em definitivo para práticas de um marxismo libertário. Com a publicação desse livro em 1975, o autor apresenta-se, tanto teoricamente como politicamente, como uma das mais originais expressões do marxismo português no contexto da Revolução dos Cravos (1974 – 1976). [5] Importa ressalvar que vários textos de João Bernardo, textos programáticos e textos de análise conjuntural eram publicados pelas Edições CONTRA-A-CORRENTE que o Coletivo do jornal COMBATE organizara nas cidades do Porto e Lisboa em fins de 1974. Foram publicados trinta e um textos (em forma de brochuras) e vários deles, de autoria de João Bernardo foram depois traduzidos na Inglaterra e na Espanha, caso, por exemplo, destes dois títulos: Um ano, um mês e um dia depois. Para onde vai o 25 de Abril? (Economia e Política da Classe Dominante) – que foi publicado em 26 de maio de 1975 e traduzido para o inglês em 12 de outubro de 1975, como: Portugal – Economy and Policy of the Dominant Class. One year, one month and one day after: where is the 25 th. April going? (28 p.) (a tradução para o inglês foi feita por João Bernardo, com provável distribuição em Londres pelo Grupo SOLIDARITY, digo provável porque o principal articulador do grupo inglês, Maurice Brinton, acompanhava sistematicamente o desenrolar das lutas políticas do COMBATE). A brochura Lutas Sociais na China, publicada em julho de 1976 (40p.), foi publicada na Espanha com alguns acréscimos como livro – Lucha de Clases en China (1949 – 1976). Madrid: Zero – ZYX, 1977. Ressalve-se também que no coletivo COMBATE estavam presentes inúmeros colaboradores originados de outros países, caso, por exemplo, do australiano Phil Mailer e do norte-americano Loren Goldner, sendo o primeiro, autor de um importante estudo sobre os fatos acontecidos em Portugal na Revolução dos Cravos, refiro-me ao livro: Portugal: A Revolução Impossível? Porto: Afrontamento, 1978, livro que foi publicado originalmente na Inglaterra pelo coletivo a que estava envolvido Maurice Brinton – Portugal: the Impossible Revolution?, Londres: Solidarity, 1977. A versão original tem 16 capítulos, a edição portuguesa tem 10 capítulos. O livro também teve edições simultâneas em inglês nos EUA e no Canadá, publicados em 1977, respectivamente, pelas editoras Free Life e Black Rose. João Bernardo publicou recentemente um breve texto onde explica o sentido histórico da experiência política do coletivo que organizou o jornal COMBATE, consultar o artigo em: www.espacoacademico.com.br/060/60div-jb.htm [6] Com o fracasso da experiência política radical do conselhismo na revolução capitalista portuguesa (1974 – 1978), João Bernardo depois de muitos anos de estudos em Portugal e em outros países europeus, decidiu-se a vir para o Brasil em 1984. Personagem fundamental para essa tomada de decisão foi o professor Maurício Tragtenberg que naquela ocasião orientava na PUC de São Paulo a dissertação de mestrado da professora Lúcia Bruno sobre a experiência coletiva do jornal COMBATE. Maurício Tragtenberg e Lúcia Bruno foram-lhe fundamentais para a vinda e estabelecimento no Brasil. Ao longo dos anos seguintes, João Bernardo apresentou seus trabalhos em inúmeros cursos que desenvolveu em programas de graduação e pós-graduação de várias universidades brasileiras (PUC/SP, PUC/RJ, USP, FGV/SP, UFMG, UFRS, UNICAMP, UNESP, UFSC, UFG entre outras). Em paralelo a essa atividade docente, o autor também ministrou vários cursos e participou de inúmeras atividades políticas vinculadas a sindicatos de trabalhadores brasileiros. Portanto, é dessas práticas institucionais que o autor definia e apresentava como politicamente necessário o conjunto de sua obra. [7] Estes dois títulos remetem-se diretamente a um artigo que o autor escreveu em 1971 quando do seu exílio político e que só publicou em 1978, refiro-me ao texto: Metodologia Geográfica e Crítica da Geografia Ideológica. In Revista Trimestral de Histórias e Idéias, vol. 01, Porto, Afrontamento, 1978, pp. 53 – 89. O artigo publicado na integra, na sua versão de 1971 é precedido por uma importante nota introdutória onde o autor, já sob as perspectivas epistemológicas de 1977, apresentadas em Marx crítico de Marx..., redimensiona o sentido inicial daquele texto e as circunstâncias políticas que lhe motivaram a redação. [8] Alguns artigos publicados na década de 1980 antecipam os conteúdos desse livro síntese de 1991. Destaco três trabalhos: 1) O dinheiro: da reificação das relações sociais até o fetichismo do dinheiro. In Revista de Economia Política, vol. 03, n. 01, São Paulo, FGV, janeiro – março de 1983, pp. 53 – 68; 2) O proletariado como produtor e como produto. In Revista de Economia Política, vol. 05, n. 03, São Paulo, FGV, julho – setembro de 1985, pp. 83 – 100; 3) Gestores, Estado e Capitalismo de Estado. In Revista Ensaio, n. 14, São Paulo, Editora Ensaio, 1985, pp. 85 – 104. Os conteúdos destes artigos, publicados sob determinações políticas conjunturais, principalmente no que se refere ao papel dos sindicatos na organização do capitalismo brasileiro seriam amplamente desenvolvidos (com algumas revisões) em capítulos da obra Economia dos Conflitos Sociais. [9] Declaração de Princípios dos Comitês Revolucionários Marxistas Leninistas. Paris / Lisboa, Janeiro de 1970 (Arquivo pessoal de Rita Delgado, a quem agradeço a disponibilização de uma cópia deste documento [e de vários outros]. Rita Delgado foi militante dos CCR). Doravante, este documento será citado no corpo do texto como DPCCR, seguido do número da página citada. [10] A revista Revolução Popular que teve a edição de seis números circulou entre 1964 e 1965. Os textos de Francisco Martins Rodrigues apresentaram-se como a primeira grande ruptura teórica e ideológica com os modelos pecepistas, afirma Martins Rodrigues que o PCP deveria combater os equívocos da frente classista, aquela que propunha a “unidade de todos os portugueses honrados”, para ele, o PCP deveria “defender a luta pela hegemonia e independência política do proletariado no movimento antifascista”, deveria estruturar-se pela “busca de uma aliança com o campesinato”, realizando assim “a crítica sem reservas ao campo republicano”, enfim, o partido deveria por em prática “a linha clássica do leninismo” (entrevista com Francisco Martins Rodrigues por e-mail - dia 06 de março de 2006, a quem agradeço o envio a mim das cópias da série de artigos que publicou na Revolução Popular, material esse que não poderá no âmbito deste pequeno artigo ser comentado em maior detalhe. Farei esse comentário em outra oportunidade). Por não encontrar essas condições políticas no PCP, Martins Rodrigues conduziu a cisão do CMLP em fins de 1963. Em meados de 1965 os principais dirigentes do CMLP foram presos pela PIDE, e logo a seguir membros intermediários da organização também foram capturados. “(...) o CMLP, que apenas tinha conseguido atingir alguns sectores operários da margem sul e da cintura industrial de Lisboa, desaparece praticamente como organização no interior do país. O que resta dos seus elementos vão-se reagrupar no exterior, onde continua a existir um Comitê do Exterior” (COSTA, Ramiro da. Elementos para a História do Movimento Operário em Portugal (2º. Volume – 1930/1975). Lisboa: Assírio e Alvim, 1979, p. 201. Lembre-se que Francisco Martins Rodrigues esteve preso de 1965 a 1974. Rui Canário que integrava um dos CCR em Lisboa afirma que tanto para si como para João Bernardo, o “Camarada Campos” (Francisco Martins Rodrigues) era a figura máxima do marxismo português e em fins da década de 1960 era visto como “o nosso Lenine” (entrevista com Rui Canário feita por e-mail - dia 26 de janeiro de 2006). [11] Ver “‘À esquerda de Cunhal’ todos os gatos são pardos” (Conclusão) – 4ª. Parte... Op. Cit., p. 28. [12] O documento que explicita a cisão nos CCR por outras práticas políticas de cariz anti-leninista foi escrito por João Bernardo e José Mariano Gago e apareceu em Janeiro de 1974 com o título: Que Fazer – Hoje? (Mimeo. Paris / Lisboa, 12 p.). (Arquivo pessoal – Rita Delgado).
fonte: http://www.espacoacademico.com.br/063/63esp_pinto.htm |
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