Não sou contribuinte!
Fui à Receita Federal em Maringá. Enquanto aguardava, um aviso em letras garrafais me chamou a atenção: “Srs. Contribuintes”. Eureca! Descobri que sou contribuinte. Claro, nem sempre paramos para refletir sobre o real significado de palavras que se tornam corriqueiras. Contribuinte?! Do verbo contribuir, sugere um ato voluntário; mas também pode ser compulsório.
O alerta do painel indicando a mesa à qual deveria me dirigir interrompeu a reflexão. Adentrei ao recinto de atendimento aos “Srs. Contribuintes”. O cidadão, simpático e educado, me atendeu e logo esclareceu a minha dúvida. Então, comentei sobre o contribuinte. Argumentei que era um contra-senso, pois somos obrigados a contribuir. Por isto é IMPOSTO DE RENDA. Não por acaso, o órgão em que estávamos se chama “Delegacia da Receita Federal”.
Despedi-me e fui ao setor indicado por ele. Lá, uma cidadã, também muito simpática e educada, me atendeu. Fiz a referência ao termo contribuinte e trocamos algumas palavras. Quando retornei para retirar o documento solicitado, conversamos rapidamente. Agradeci e fui embora. Em casa, ao manusear os papéis, vi que havia uma cópia dos verbetes:
CONTRIBUINTE: (u-in) [De contribuir + -nte.] Adjetivo de dois gêneros. Substantivo de dois gêneros. 1. Que ou quem contribui, ou paga contribuição. [V. coletado.].
CONTRIBUIÇÃO: (u-i) [Do lat. contributione.] Substantivo feminino. 1. Ato ou efeito de contribuir. 2. Quinhão, cota, tributo. 3. Parte pertencente a cada um nas despesas do Estado ou em uma despesa comum. 4. Subsídio moral, social, literário ou científico para algum fim.
Contribuição de melhoria. 1. Econ. Tributo baseado no aumento do valor de imóveis beneficiados pela realização de obra pública, e aplicado ao custeio desta. (Dicionário Aurélio)
Admirado e agradecido com a prestatividade da cidadã fiquei a matutar. Tenho o Dicionário Aurélio, mas não pensei em recorrer a ele. Do ponto de vista linguistico, o significado parece claro. A questão é política. É interessante que o Estado faça uso de palavras como esta para cumprir sua função mais proeminente ao longo da história.
Na política a linguagem nunca é inocente; ela mascara os reais objetivos. Democracia, bem-comum, cidadania, e tantas outras palavras de cunho político possuem significados lexicológicos. Do ponto de vista da análise política, porém, isto é insuficiente. A acepção política das palavras é algo muito mais complexo, para além da mera definição do dicionário.
Contudo, mesmo se nos limitarmos ao dicionário, a palavra contribuinte revela-se paradoxal quando vinculada a outra palavra menos simpática: IMPOSTO. Segundo o Aurélio:
Imposto: (ô) [Do lat. med. impositu, subst. do lat. impositu, part. pass. de imponere.] Adjetivo. 1. Feito aceitar ou realizar à força. [Flex.: imposta (ó), impostos (ó), impostas (ó). Cf. imposto, do v. impostar, e emposta, s. f.] Substantivo masculino. 2. Transferência compulsória de dinheiro ao governo (no passado, também de mercadorias e serviços), por parte de indivíduos ou instituições; tributo. 3. Jur. Tributo exigido, independentemente da prestação de serviços específicos, ao contribuinte, pelo governo. [Opõe-se, nesta acepç., a taxa (2).].
Portanto, ainda que o Estado suavize e oculte sua real função ao utilizar recursos linguisticos e midiáticos, não devemos nos iludir. A ocultação é própria da política. Com o risco da redundância, pagamos impostos por imposição. É IMPOSTO! Ainda que concordemos em contribuir, isto não muda o verdadeiro significado da existência e função policial do Estado.
Decididamente, NÃO SOU CONTRIBUINTE!
fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2010/02/27/nao-sou-contribuinte/
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