Da Alienação à Depressão – caminhos capitalistas da exploração do sofrimento (5ª Parte - Final)
O sofrimento, a depressão, a angústia, a solidão em suas mais variadas formas e graus são apenas a renovação de um apelo a resgatarmos o que de mais autenticamente humano ficou esquecido nas asas do tempo… O importante é que faça as pessoas se reconhecerem no drama do outro, perceberem que as coisas são o que são porque deixamos de agir ou porque só atuamos numa determinada direção… Por Emilio Gennari
5. Entre o prego e o martelo
- “É pra ter… medo… ou… esperança?!?”, indaga desconfiado o homem ao apoiar o rosto na palma da mão.
- “Nem uma coisa nem outra – responde imediatamente a coruja. De início, trata-se de entender e trabalhar os estreitos espaços deixados vazios pela lógica dominante na medida em que o mundo por ela projetado entra em contradição com a realidade do trabalhador, com suas expectativas, suas razões de sofrimento, enfim, com tudo aquilo que aumenta nele a sensação de incerteza. Exatamente por isso, não podemos esperar grandes aberturas para a agitação e a mobilização, mas apenas a chance apertada de ocupar o incômodo espaço entre o prego das idéias e o duro martelo de um sistema explorador. Neste sentido, somos chamados a transformar a esperança em projeto concreto, em instrumento de intervenção cotidiana, em tentativas que podem abrir brechas na mata fechada da realidade que o capitalismo contemporâneo entrega à história. Só assim a esperança não se transforma em ilusão e começa a ganhar cor e forma”.
- “Então, que instrumentos você apontaria para começar a alterar os rumos dos acontecimentos?”, insiste o secretário ao não se dar por vencido.
Passo a passo, Nádia se aproxima do seu ajudante, envolve seu ombro esquerdo com o calor da asa e, com voz pausada, sugere:
- “Aos homens e mulheres que buscam organizar o local de trabalho como base fundamental de um processo de mudança social podemos dar apenas algumas dicas vindas ora de reflexões, ora de experiências que tentam reverter o clima de servidão coletiva no âmbito do qual se dá o aniquilamento do indivíduo como ser humano.
Como quem procura uma vacina capaz de neutralizar as investidas de um vírus poderoso, a fase em que nos encontramos como movimento não permite sugerir fórmulas testadas, mas somente indicações de por onde é possível criar e alimentar dúvidas nas certezas do senso comum.
Entre os primeiros passos, está a necessidade de desenvolvermos nossa capacidade de ouvir os sons do silêncio e captar a carga de sofrimento que eles expressam através das posturas, dos gestos e das expressões dos colegas. Trata-se, por exemplo, de mapear os momentos em que nos deparamos mais freqüentemente com atitudes agressivas ou com a ansiedade acentuada por situações de espera prolongada, as respostas individuais diante de tarefas particularmente penosas ou perigosas, o desaparecimento das ocasiões informais de confraternização ou de sua utilização e desvirtuamento pela empresa a ponto de alterar o sentido e o clima das relações entre as pessoas.
Além disso, precisamos detectar e detalhar os fatores que introduzem ou alimentam o medo, a desconfiança recíproca, o desânimo e a resignação ao lado dos que provocam reações instintivas e adversas quando do não-reconhecimento dos próprios méritos ou dos esforços despendidos, as razões de tensão e conflito entre indivíduo e equipes, o que destrói o sentimento de confiança recíproca e a capacidade de se indignar diante da injustiça.
Se a análise do individualismo e do isolamento do sujeito no âmbito do trabalhador coletivo que apresentamos acima como elementos que levam a um fechamento de cada um em sua esfera privada pode oferecer um ponto de partida suficiente, a possibilidade de mudar a realidade vai depender da sensibilidade com a qual fazemos a leitura do que é próprio de cada ambiente de trabalho, de como cada patrão (público ou privado, pouco importa) desorganiza o nosso time e leva cada empregado a procurar suas válvulas de segurança diante do sofrimento físico e psíquico ao qual está sendo submetido. Trata-se, enfim, de conhecer profundamente a cobra para poder desenvolver um soro apropriado.
Colocar-se em posição de ouvir, porém, não significa apenas mapear silenciosamente os sinais com os quais os colegas expressam suas sensações, medos e expectativas, mas também se preparar para um longo processo de reconstrução das relações de amizade, confiança e solidariedade sem as quais será impossível consolidar um mínimo de identidade coletiva capaz de criar vínculos, fortalecer cumplicidades e preparar o terreno para a vivência de novos valores, idéias e formas de comportamentos com as quais estimular o sentimento de indignação e rebeldia.
Ouvir o sofrimento com esta postura é ter consciência de que quem o expressa nutre a expectativa de um alívio ou, pelo menos, de uma mudança ainda que inicialmente confusa, incipiente e contraditória. Isso exige desprendimento, paciência, capacidade de penetrar na visão de mundo do outro sem julgamentos pré-concebidos, mas com a acuidade de quem procura abrir canais de comunicação que permitam entrar em sintonia e se fazer entender pelo colega, ganhar sua confiança e, em seguida, levá-lo a refletir sobre suas percepções e vivências, a questionar o que havia sido interiorizado como normal ou natural e a adotar novas atitudes e novos valores.
Paralelamente a isso, sempre e quando a situação o tornar oportuno, a militância deve começar a dar voz ao silêncio, ou seja, a colocar em palavras o que o conjunto das pressões dentro e fora dos locais de trabalho procura calar. Longe de fazer discursos, assumir posturas radicais (que se revelam tão ridículas quanto incapazes de esconder a falta de meios para serem transformadas em realidade) ou até mesmo de expressar o que seria imediatamente necessário sem que haja a menor condição para implementá-lo (o que faz as pessoas se retraírem como ouriços ou concordarem com o que é dito só para serem deixadas em paz), a palavra tem que expressar prioritariamente o longo e silencioso trabalho pelo qual a nova interpretação do cotidiano abre seu caminho entre as resistências do senso comum.
A fala tem que ser tão sincera e aberta quanto basta para sugerir, alertar, questionar compreensões não como quem ensina de cima pra baixo, mas como quem também está procurando, e, na medida do possível, deve introduzir o colega na possibilidade de olhar para o próprio sofrimento, de se reconhecer no que está sendo dito; e tão respeitosa da individualidade do outro e da insegurança que nasce nele ao se ver descoberto no que cobria com seu silêncio a ponto deste não fugir diante dela, não se esconder automaticamente em suas formas de defesa, mas de começar a ouvir o que soa incomum num ambiente no qual toda manifestação de sofrimento tende a ser recebida como estranha, indesejada, símbolo de fraqueza ou de falta de vontade de se superar”.
- “E que aspectos você acha que podem ser trabalhados com a postura que está sugerindo?”, pergunta o secretário entre a incerteza e a desconfiança.
Apoiando o queixo na ponta da asa, a ave permanece pensativa por alguns instantes. Em seguida, emite um longo suspiro e, sem alterar o tom de voz, responde:
Desconstruir os discursos empresariais
- “Talvez, a primeira coisa a fazer seja a de proceder de forma sistemática e rigorosa à desconstrução do discurso da empresa e das formas pelas quais esta se aproveita das percepções do senso comum para afirmar como natural e verdadeiro algo que não o é. Mais do que costurar longas e detalhadas intervenções, é bom que organizadores e organizadoras se capacitem a captar a realidade que é dissimulada e a devolvê-la aos colegas através de perguntas simples e diretas. Isso significa que se faz necessário tanto um aprofundamento da análise e um levantamento dos métodos utilizados na distorção da comunicação interna, como a coleta de testemunhos e acontecimentos que, ao serem lembrados na forma de indagações levam a colocar sob suspeita a visão de mundo com a qual os demais interpretam a realidade.
Na mesma linha, faz-se necessário ajudar as pessoas a tocarem a inversão de valores da qual falamos nas páginas anteriores, a constatarem a que interesses reais ela responde e como estes se escondem nas atitudes que a introduzem no trabalhador coletivo. Neste âmbito, não só é possível mostrar a diferença entre a coragem e a virilidade, mas como a segunda é irmã gêmea da covardia para consigo próprio e com os demais. Ao resgatar que a coragem se dispõe a lutar contra a correnteza e que a virilidade é uma artimanha sutil para levar as pessoas à servidão coletiva, não vai ser difícil colocar em evidência que só crescemos como seres humanos quando ao menos tentamos enfrentar o nosso medo.
Por esse caminho, precisamos construir não só relações de amizade e confiança que reabilitem a reflexão aberta sobre o medo e o sofrimento no trabalho, mas podemos fazer com que nossa ação comece a combater o cinismo e as expressões pelas quais a inversão de valores e posturas éticas permite a banalização do mal, o adormecimento do sentimento de indignação e a desmobilização da ação política. Além de dar o nome aos bois e de evidenciar as conseqüências reais da aceleração dos ritmos, das demissões, do envolvimento nas metas, da assimilação dos supostos processos de auto-realização oferecidos pelas empresas, trata-se de levar as pessoas a vivenciarem pequenos gestos de coragem destituídos de virilidade, ou seja, de assumir pequenas rebeldias que, ao serem praticadas, começam a resgatar condutas que, sem alarde, introduzem questionamentos reais no ambiente de normalidade servil instalado nos locais de trabalho.
Neste contexto, até mesmo as expressões com as quais os colegas sublinham seus anseios de um trabalho melhor, menos penoso, não-repetitivo, do qual seja afastada toda insalubridade e periculosidade podem começar a ser tratadas apontando que toda mudança no sentido de atender a estes anseios depende de uma conquista coletiva a ser viabilizada e não de uma dádiva que, um dia, virá pela compreensão amistosa dos patrões. Por progressista e modernizante que seja, toda medida empresarial tem por objetivo aumentar o controle do capital sobre o trabalho, elevar a produtividade e reestruturar as relações tanto quanto basta para garantir a continuidade e o aprofundamento da exploração. Neste processo, empregado ou parceiro, peão ou colaborador, pouco importa qual é o nome pelo qual são chamados os trabalhadores, eles vão continuar sendo um prolongamento da máquina que, por mais forte, criativo e servilmente dedicado que seja, não deixará de ter sua criatividade sugada, sua energia dilapidada e seu corpo danificado até ser definitivamente afastado do processo produtivo para o qual acreditava ser um elemento insubstituível.
Um trabalho de base que acompanhe as formas sugeridas tem boas chances de questionar também as razões pelas quais as pessoas adotam a servidão voluntária como caminho para o reconhecimento social. Sem ter a pretensão de dar lições de moral, é possível mostrar como a lógica que orienta as posturas adotadas na empresa torna-se base para fortalecer o cotidiano fora dela numa reação em cadeia que alimenta a submissão na mesma medida em que o desejo de reconhecimento alheio, via realização de sonhos de consumo, é tida como etapa fundamental na construção da própria identidade e realização pessoal. A busca incessante das que chamamos de ‘próteses do prazer’ inverte nossa relação com as coisas que nos rodeiam.
O ter para sentir o ser
Na medida em que a identidade do indivíduo, e, portanto, o seu equilíbrio mental, deita raízes no ter o maior número de coisas possíveis, não é o sujeito a possuir as coisas, mas sim são elas que o possuem e o transformam em objeto que destina a vida inteira a seu serviço. Sempre que as mercadorias são parte do seu ser a ponto de ‘não poder mais viver sem isso’, a possibilidade de perder o que foi adquirido leva o indivíduo a se tornar prisioneiro da preocupação de não vir a ter o que possui, a se cercar do desnecessário para se sentir mais protegido contra a frustração e a reafirmar inconscientemente os fatores que reforçam sua servidão voluntária ao que a sociedade capitalista oferece como vacina contra a solidão e caminho para o sucesso.
A percepção dessa realidade pode deixar um gosto amargo na boca, a sensação de ver desmoronar os castelos de areia pacientemente construídos ou até mesmo uma profunda insegurança oriunda do vazio que fica quando as convicções anteriores desabam diante das contradições em que estão inseridas. O problema está no fato de que é quase impossível alterar o rumo geral dos acontecimentos se a luta pelas questões específicas do trabalho não se aliar e se inserir no esforço para questionar e equilibrar o peso das relações entre as coisas e as pessoas pelo menos na vida daqueles que partilham momentos prolongados e preciosos de um mesmo cotidiano. Do contrário, será sempre necessário trabalhar mais para ter mais. Será impossível manter vínculos que não impliquem em ganhos imediatos. E ninguém vai ser capaz de renunciar a nada pessoal para vivenciar com gratuidade momentos coletivos por simples e abertos que sejam”.
- “Puxa… Isso é bem complicado!”, afirma o secretário ao adiantar a justificativa de sua possível falta de envolvimento.
- “Você não deixa de ter razão – reconhece a coruja ao balançar a cabeça. E o problema aqui não está no fato de que, para nós trabalhadores, nada é fácil e tudo deve ser pacientemente construído e conquistado. As relações que o capital foi construindo são de tamanha profundidade que, em plena crise econômica, a confiança das pessoas nas grandes empresas e na possibilidade destas atenderem às demandas sociais, aos sonhos de consumo e realização, passou de 61%, em 2008, para 67%, em janeiro de 2009. Parece um paradoxo, mas tudo não passa de uma amostra bem simples de que quando as mudanças necessárias para garantir a vida coletiva são tão profundas a ponto de fazerem os indivíduos suspeitarem que o nível de satisfação já alcançado pode sofrer algum desgaste, o homem-massa costuma preferir a catástrofe futura aos sacrifícios imediatos para conseguir viabilizá-las.
A insegurança da crise acaba alimentando o medo do desconhecido que, por sua vez, se transforma em carrasco do novo, de tudo aquilo que sugere algo diferente em relação ao patamar consolidado, por baixo e precário que seja. Em breves palavras, é como se além da dificuldade de vencer a inércia na hora de empurrar o carro, tivéssemos que lidar com um motorista que, inseguro e desconfiado, pisasse seguidamente no freio desgastando assim as energias de quem procura tirá-lo do sufoco. Por isso, além de muita paciência, insistência, transparência, honestidade e autenticidade, a ação da militância não pode se restringir à denúncia de algumas peças soltas do mundo do trabalho, mas deve, na medida do possível, conectar sua crítica real aos aspectos da totalidade nos quais o trabalhador coletivo precisa visualizar a possibilidade de buscar sua nova identidade, de exercer sua capacidade de indignação e de construir novas perspectivas de futuro”.
- “Mas será que o aprofundamento da exploração não vai ajudar nem um pouquinho a acordar as pessoas e a facilitar a ação dos sindicatos?”.
Falar ao coração as idéias destinadas à cabeça
- “Seria bom se fosse, mas infelizmente, as respostas à altura de uma crise econômica não podem ser improvisadas, nem aparecem espontaneamente nas inquietações da massa ou no súbito emergir de uma suposta consciência de classe que tenha como ponto de partida apenas a piora das condições de vida e de trabalho. De imediato, um maior grau de exploração tende a fazer com que as pessoas se dobrem ainda mais sobre si próprias, embarquem no salve-se-quem-puder, se agarrem a todas as possibilidades individuais de manter o próprio nível de vida e nem o embrutecimento dos setores mais empobrecidos, nem uma atuação mais contundente do crime organizado são, por si só, suficientes para fazê-las sair do marasmo e iniciar um processo de profundas mudanças sociais. Se na fase de crescimento da economia há um renovar-se da confiança nas possibilidades do sistema, o pipocar das contradições no bojo da crise precisa de um longo trabalho de organização já acumulado para tornar-se o momento-chave de uma ruptura.
No final deste primeiro semestre de 2009, já é possível vislumbrar a eclosão de espasmos de dor, ou seja, de momentos em que o sofrimento atinge um grau tão elevado que a sobrevivência pode levar a efetuar saques, protestos, movimentos no sentido de garantir maior atendimento social por parte do Estado, mas nada que o próprio sistema não consiga incorporar e superar. A falta de inserção e organização de base, aliada à ação centrada em aspectos econômico-corporativos têm gerado tamanho atraso em relação às possibilidades abertas pela conjuntura a ponto de não ver colocado sequer um questionamento sério aos lucros consolidados pelas empresas ou à suposta função social por elas desempenhada e à qual sempre se alude toda vez que os patrões procuram extrair do Estado novas benesses e novas possibilidades de acumulação.
Longe de questionar os lucros no exato momento em que estes condenam ao desemprego centenas de milhares de trabalhadores, o centro das preocupações é a manutenção do posto em nome da qual se cede bem mais do que pode ser garantido pelos patrões. A esperança de que as coisas não piorem ainda mais, típica desta postura, não deixa sequer perceber que a elevação da produtividade sob o impacto do medo da demissão, que atormenta os que continuam empregados, vai proporcionar novos cortes e fazer com que a crise seja vista como algo do qual precisa se proteger e não como algo que precisamos pilotar para virar o jogo. Para que a dor e o sofrimento se tornem base de uma nova resposta coletiva eles precisam ser conhecidos e organizados, e isso não ocorre por decreto ou pela ação de forças estranhas à história.
Ainda que estejamos em atraso nesta corrida contra o tempo, há espaços de sobra para que os sindicatos fortaleçam a percepção da injustiça que ameaça a vida em sociedade com força redobrada. Mas, para mobilizar uma ação coletiva contra ela, não basta que as pessoas compreendam as situações dramáticas nas quais milhões de famílias vão mergulhar. É necessário que esta percepção atinja a compreensão de quem ainda trabalha despertando nele sentimentos de compaixão (ou seja, de sofrer com, de sentir na própria pele a dor da injustiça infligida ao outro), não de comiseração que, via de regra, deixam a consciência em paz com pequenos gestos de solidariedade ou frases que resumem no ‘coitadinho dele’ o máximo de participação no sofrimento alheio.
Apesar de aparentemente pequenos, estes são elementos essenciais para levar as pessoas a agir e não apenas a se comoverem. E para atingir a sensibilidade de quem tem um sentimento de indignação anestesiado não basta uma exposição racional da situação e de suas causas. Este caminho costuma ser brecado pelo senso comum cujas mudanças ocorrem antes pela via do sentimento do que da razão.
Por isso, mais do que repetir chavões aparentemente auto-explicativos, trata-se de encontrar uma linguagem que seja capaz de falar ao coração as idéias que se destinam à cabeça. Longe de apostar no sentimentalismo barato, faz-se necessária a utilização de meios que sejam capazes de furar a barreira da racionalidade capitalista, amplamente assumida até mesmo nas relações afetivas vivenciadas no âmbito familiar, entrando pelo único caminho que, a meu ver, ainda permanece aberto: o dos sentimentos contraditórios com os quais o sujeito se depara em sua vida cotidiana e onde se vê constantemente preso na tensão entre os sonhos de afirmação e as frustrações que a eles se seguem, entre o medo e a busca de segurança, entre o desejo de realização pessoal e a realidade material que derrete sob os seus pés o que considerava sólido e inabalável.
Nada impede que a nova linguagem lance mão do teatro, da encenação, da poesia, de testemunhos, do vídeo, do cinema, da internet e dos recursos que a modernidade coloca ao nosso alcance. O importante é que faça as pessoas se reconhecerem no drama do outro, perceberem que as coisas são o que são porque deixamos de agir ou porque só atuamos numa determinada direção, que a sociedade não é uma nau sem rumo, mas sim um transatlântico com comandantes, oficiais, tripulação, passageiros. Nele, trabalhadores e trabalhadoras são mantidos no porão da casa de máquinas, alegrados com pequenos prazeres pelos quais acreditam estar desfrutando do que a vida pode oferecer, mas que impedem ao seu descontentamento de se transformar em vontade de assumir o controle do navio e dirigir a proa rumo a uma sociedade onde haja tudo para todos.
Nada está perdido. O sofrimento, a depressão, a angústia, a solidão em suas mais variadas formas e graus são apenas a renovação de um apelo a resgatarmos o que de mais autenticamente humano ficou esquecido nas asas do tempo”.
- “Eu ainda acho que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come!”, reafirma o secretário incrédulo.
- “Mas se juntar o bicho foge!”, arremata Nádia antes de mergulhar na escuridão da noite. Sem palavras diante do tamanho da tarefa que se faz necessária para vencer a alienação, o secretário tira os óculos e arruma os papéis do relato que transformam a mesa em berço de idéias e debates.
Lá fora, a cidade dorme na esperança de que alguém faça o que só a classe trabalhadora pode fazer.
Na parede da sala, o relógio marca os primeiros minutos do novo dia. É 1º de maio de 2009, dia que convida à reflexão e à ação, a construir nas trevas da noite os passos de um novo amanhecer…
Nota
(1) Dados extraídos de MELO, Clayton, Brasileiro confia mais nas empresas, em Gazeta Mercantil, 30 de janeiro de 2009.
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