sábado, 5 de dezembro de 2009

De Neuquén para o Mundo: breve história dos bravos lutadores da FaSinPat Zanón

De Neuquén para o Mundo: breve história dos bravos lutadores da FaSinPat Zanón

Ao invés de lucros e exploração, a FaSinPat Zanón aponta para a produção de valores de uso, vínculos comunitários, unificação das lutas dos trabalhadores e utilização do espaço fabril para estudo. Por Henrique T. Novaes [*]

Muitos sindicalistas não conseguiriam imaginar o retorno ao chão de fábrica de dois trabalhadores que “puxaram” a luta da FaSinPat (Fábrica Sem Patrões) Zanón, mas foi isso que aconteceu em agosto de 2009, após a expropriação dos meios de produção.

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O plano de construir uma fábrica de azulejos e posteriormente de porcelanato na província argentina de Neuquén é típico de uma história de gângsters. Ela foi criada por um empresário italiano chamado Zanón com inúmeros subsídios dos militares argentinos, do governo da província e, nos anos 1990, com financiamentos de Menem, que, aliás, jamais foram pagos. Esta fábrica era considerada uma das mais modernas da América Latina e virou pó nos anos 1990. Mas é no final dos anos 1990 que essa história ganha novos adjetivos, principalmente no contexto que resultou na eclosão da rebelião social de dezembro de 2001.

Porém, antes disso, é preciso destacar que a província de Neuquén é extremamente contraditória. Por um lado, “recebeu” exilados do golpe de Pinochet e exilados argentinos que fugiram da repressão nos centros metropolitanos (Buenos Aires, etc.), houve um bispo de esquerda que abrigou muita gente da esquerda, houve as lutas dos piqueteros de 1994 em Cutral-Có, as lutas dos professores secundários que resultaram no assassinato do professor Carlos Fuentealba, a luta dos Mapuches e a experiência da Zanón. Por outro lado, Neuquén é governada há mais de 40 anos por um partido chamado Movimento Popular Neuquino (MPN), que governa a província de forma populista e faz(ia) uma farra com os recursos do petróleo da região.

O relato dos trabalhadores sugere uma luta que deve ser olhada por um mesmo prisma, mas por ângulos distintos. A luta contra um sindicato burocratizado. A luta contra um Estado corrupto e avesso às demandas dos trabalhadores. A luta contra um patrão autoritário e paternalista, que se enriquecia às custas dos trabalhadores e dos privilégios obtidos no Estado argentino. A luta por colocar a fábrica novamente em marcha, agora sob controle operário. A tentativa de produção de valores de uso, ao tentar escapar do “mercado” ou ao menos sinalizar a produção de azulejos para o povo e interesses “públicos”. A luta pelo resgate da união entre trabalhadores “classistas” e entre trabalhadores e estudantes, rompida pela ditadura civil-militar.

O estopim que deu origem à luta foi a demissão de 600 trabalhadores em 2001. Eles queimaram a carta de demissão e saíram nas ruas para protestar. Na fala dos trabalhadores aparece como principal motivação a tentativa de “abrir e averiguar o caixa da empresa”, “recuperar postos de trabalho”, “recuperar a comissão interna”, “Zanón é do povo” e “voltar a viver”.

O antigo patrão não se conforma com a luta dos trabalhadores e não acredita que os mesmos podem “andar sozinhos”. Talvez por oposição a isso que os trabalhadores lançaram a consigna: “os trabalhadores podem produzir sem os patrões, mas os patrões não podem produzir sem os trabalhadores”.

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A luta foi puxada por alguns trabalhadores do Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), um partido trotskista que se originou na IV Internacional. O lema destes trabalhadores é “estatização sob controle operário”, lema nunca atendido pelo casal Kirchner. É curioso observar que na fábrica temos hoje não mais que seis trabalhadores do PTS, muitos “independentes”, trabalhadores de outros partidos, tentando conviver. É preciso reconhecer que sem o “caldo de indignação” na fábrica, na região e na América Latina, dificilmente a ocupação – que mais parece uma guerra civil - em Zanón poderia ganhar força. Lembremos que diante do saqueamento e espoliação argentina “Basta! Que se vayan todos!” se tornou o lema do conflito de dezembro de 2001.

O antigo refeitório da fábrica tinha dois pisos. Respeitando a hierarquia, os subalternos ficavam no andar de baixo e os “seres superiores” ficavam no andar de cima. Aqui, podemos fazer paralelos com o filme Metropolis, de Fritz Lang.

A parte que era dos trabalhadores se tornou uma biblioteca, ainda bastante simbólica em função da utilização praticamente nula. Na parte de cima funciona o novo refeitório. Mesmo ainda bastante figurativa, deve ser reconhecida a iniciativa de se criar uma biblioteca na fábrica. Em outras empresas recuperadas argentinas há um espaço para aulas de bacharelado, etc.

Há um laço comunitário com o Movimento de Trabalhadores Desocupados (MTD). Isso pode ser visto, por exemplo, quando a fábrica começou sua luta, eram mais ou menos 220 funcionários da antiga empresa. Hoje estão com 480, sendo que mais de metade destes vieram do MTD. Não deixa de ser curioso notar que esses trabalhadores recebem a mesma retirada (salário) que os outros, havendo apenas um complemento para trabalhadores mais antigos, para os trabalhadores dos conselhos e para os postos com insalubridade.

Pedro, o Pepe, um dos cooperados que vieram do Movimento dos Trabalhadores Desocupados (MTD), foi atingido no olho por uma bala durante uma passeata. Ele foi deslocado para o setor de imprensa. Se fosse noutra empresa, provavelmente seria despedido, ainda mais em tempos de produção toyotista-enxuta. A mãe de um jovem funcionário da fábrica, morto em 1999 num acidente de trabalho, passou a trabalhar na fábrica em função dos laços comunitários, pois este jovem era a principal fonte de renda da família.

No Bairro Nova Espanha, bem próximo à fábrica, os trabalhadores montaram um centro médico. Além disso, fizeram e fazem doações de azulejos para outros hospitais, para trabalhadores que têm suas casas incendiadas por desastres naturais, pobres da região que solicitam ajuda, etc.

Eles iniciaram uma política de contratação de mulheres. Já são trinta. O sindicato dos docentes da região (ATEN) fez uma proposta de utilização de um dos espaços da fábrica para darem aulas. No dia que estive em Neuquén, numa visita guiada, um professor do ensino médio dialogava com seus alunos, dizendo mais ou menos assim: “estamos vendo aqui a história viva da Argentina, que foi saqueada, espoliada pelo neoliberalismo. Mas, ao mesmo tempo, a história da resistência dos trabalhadores neuquinos”.

Alguns professores e alunos da UBA (Universidade de Buenos Aires), mas principalmente da Universidade de Comahue (UnCo), tentam resgatar a tradição de unificação das lutas entre trabalhadores e universitários inaugurada na Reforma de Córdoba de 1918, no Cordobazo de 1969, etc. Na UnCo dialogamos com o professor Rodriguez Lupo e com alunos da engenharia que ajudaram os trabalhadores nas passeatas, arrecadação de fundos, etc., bem como na restauração das máquinas, no aumento da qualidade dos azulejos, na reformulação do processo de trabalho, etc.

A ajuda dos químicos da UBA para criar “azulejos auto-limpantes” − azulejos que têm uma película que permite que o mesmo se limpe com a luz do sol − parece navegar na onda da produção de bens socialmente úteis, dada a sua utilidade em escolas e hospitais.

Muitos poetas, artistas, documentaristas, bandas de música de esquerda, intelectuais, etc., abraçaram a causa da FaSinPat Zanón, realizando shows, filmes, etc., para relatar, refletir e ajudar a transformar a realidade de Zanón. Pode-se dizer que tal como o caso da fábrica de relógios LIP, na cidade de Besançon, em França, que o caso FaSinPat Zanón passou de um âmbito da desconhecida região de Neuquén para o mundo. Também é preciso observar que alguns ativistas, intelectuais, etc., vão a Zanón como uma espécie de “Meca” dos movimentos sociais, tentando buscar ali a “solução” para os seus problemas.

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Tudo isso nos permite dizer que a fábrica está tendo um novo significado para os trabalhadores. Ao invés de lucros e exploração dos trabalhadores, a FaSinPat Zanón aponta agora para a produção de valores de uso (o mundo não é uma mercadoria), vínculos comunitários (“Zanón és del pueblo”), unificação das lutas dos trabalhadores e utilização do espaço fabril para estudo, seja deles mesmos seja de estudantes do ensino médio e fundamental, seja pelos trabalhadores, e instaura o rodízio nos cargos estratégicos da fábrica, a recuperação de outras fábricas na região, o classismo, etc.

Sobre o “classismo”, em novembro de 2009 a FasinPat Zanón conclamou todos os trabalhadores dos setores “combativos e antiburocráticos” para a realização da primeira plenária regional dos trabalhadores argentinos “classistas”.

Na estraçalhada Argentina do início deste milênio, alguns trabalhadores da desconhecida Neuquén resistiram bravamente e parecem estar inaugurando um novo ciclo de lutas anti-capital. Nas palavras de Natalio Navarrete, o “Chico”:

“O objetivo era entrar [na fábrica] para produzir e demonstrar que nós podíamos fazê-lo […] Com o que produzimos e com o que ganhamos temos que demonstrar que podemos gerar mais postos de trabalho, e criamos novos postos de trabalho […] Podemos trabalhar em conjunto [coordinar] com outros setores e ter outras alternativas, e estamos fazendo isso. Então vamos tendo novos desafios […], agora um dos últimos delineamentos que fizemos é chegar […] no nível nacional, com as fábricas ocupadas e com outros setores de desempregados […] para ir com toda essa gente aos grandes meios de produção, às grandes fábricas onde estão sendo recuperadas as comissões internas e onde está a burocracia e apresentar nossa experiência das fábricas ocupadas e começar a dizer sobre o trabalho que estamos fazendo, que pode haver coordenação, que os trabalhadores podem se juntar tanto os empregados como os desempregados” (Entrevistado por Fernando Aiziczon, Zanón – una experiência de lucha obrera, Buenos Aires: Herramienta, 2009, p. 215).

[*] Henrique T. Novaes é Economista (Unesp-Araraquara). Doutorando em Política Científica e Tecnológica (Unicamp), onde estuda a relação da universidade com os movimentos sociais na América Latina. Autor do livro: O fetiche da tecnologia – a experiência das fábricas recuperadas (Editora Expressão Popular). Coordenador do curso de especialização “Economia Solidária e Tecnologia Social na América Latina” (Unicamp). Correio eletrônico: hetanov@yahoo.com.br

Fotografias: Henrique T. Novaes


fonte: http://passapalavra.info/?p=15791

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